Entenda a alelopatia entre culturas e plantas daninhas
Leia tudo sobre a alelopatia nas culturas e plantas daninhas!
As plantas vizinhas podem interagir entre si de maneira positiva, neutra ou negativa. A interação negativa é a mais comum (inibindo a emergência ou crescimento da planta vizinha), pois as plantas buscam se favorecer na competição por recursos e espaço no meio.
Uma das formas de interação entre espécies ocorre através da alelopatia, ou seja, a liberação de substâncias químicas que interferem em outros componentes da comunidade. Essas substâncias são chamadas de fitotoxinas, aleloquímicos, produtos secundários, substâncias alelopáticas etc., e se apresentam de diversas formas, desde simples hidrocarbonetos até compostos complexos, sendo conhecidos atualmente cerca de 10 mil produtos secundários com ação alelopáticas. Como as plantas são imóveis, não podem escapar do ataque dos seus inimigos, e assim, os aleloquímicos servem para proteger as plantas contra outras plantas, além do ataque de fitopatógenos e pragas. A atividade biológica dos compostos alelopáticos depende mais da sua concentração e mobilidade do que da sua composição química.
As plantas daninhas podem ser suprimidas usando a alelopatia de plantas vivas ou seus resíduos através de algumas formas:
- Uso dos aleloquímicos obtidos das plantas como herbicidas naturais biodegradáveis que não persistem no solo, sendo seu uso seguro e efetivo;
- Uso da rotação de culturas usando espécies que reduzem as plantas daninhas através da liberação de substâncias alelopáticas;
- Transferência de genes que sintetizam aleloquímicos entre culturas.
Como os compostos alelopáticos são liberados pelas plantas?
Os aleloquímicos são liberados por 4 mecanismos, e após sua liberação, são rapidamente decompostos devido à sua grande instabilidade. Os mecanismos de liberação são:
- Volatilização: os casos mais comuns de aleloquímicos liberados por volatilização ocorrem em regiões áridas e com altas temperaturas. Plantas como Artemisia californica e Salvia leucocephylla liberam aleloquímicos voláteis na forma de terpenos que impedem o desenvolvimento de outras plantas em um raio de 1 a 2 metros;
- Lixiviação: diversos compostos químicos podem ser lixiviados da parte aérea das plantas durante uma chuva ou orvalho, se depositando no solo. Esses compostos podem inibir o crescimento de outras plantas, como no caso dos compostos das folhas de Abutilon theophrasti que podem inibir o desenvolvimento da soja;
- Exsudação radicular: os compostos alelopáticos podem ser exsudados pelas raízes, como no caso do exsudato radicular ácido cinâmico, do pepino (Cucumis sativus), que inibe a absorção de íons por plântulas intactas de pepino;
- Decomposição de resíduos vegetais: os aleloquímicos também podem ser liberados na decomposição de resíduos vegetais. Em alguns casos, esses compostos decorrentes da decomposição são até mais tóxicos do que o produto original. Estudo feito com a parte aérea da leucena mostrou que a parte aérea da planta, em cobertura ou incorporada ao solo, reduziu as plantas daninhas na cultura do milho, efeito causado pela decomposição do material vegetal que liberou aleloquímicos. O mesmo efeito pode ocorrer na decomposição do trigo, que pode prejudicar o desenvolvimento de plantas da própria espécie pela fitotoxina exsudada pelo fungo associado à decomposição da palha.
Como funciona a alelopatia?
Os compostos alelopáticos interferem em diversos processos metabólicos primários e no sistema de crescimento das plantas, interferindo em atividades vitais (respiração, fotossíntese, assimilação de nutrientes, proteínas, enzimas etc.). Abaixo, vamos entender melhor esses efeitos!
Alelopatia e a regulação do crescimento das plantas
Os efeitos alelopáticos na regulação do crescimento das plantas ocorre através da:
- Divisão e alongamento celular: algumas espécies vegetais liberam aleloquímicos que reduzem a divisão e o alongamento celular das plantas;
- Síntese orgânica: alguns compostos alelopáticos modificam a síntese orgânica e distribuição de carbono nas plantas. Aleloquímicos fenólicos podem causar tais efeitos mas podem também estimular enzimas, tendo um comportamento imprevisível conforme a espécie e concentração;
- Interação com hormônios: aleloquímicos fenólicos podem alterar o nível do ácido indolacético (AIA), ácido giberélico (GA) e ácido abscísico (ABA);
- Efeitos na atividade de enzimas: os aleloquímicos influenciam na síntese e função de diversas enzimas. Podem inibir proteinases, enzimas pectolíticas, catalases, celulases, fosforilases etc.
Alelopatia e a respiração das plantas
Os metabólitos alelopáticos podem alterar a respiração de algumas plantas, alterando-as ou diminuindo-as. Compostos como quinonas, flavonoides, ácido fenólico atuam nas mitocondrias, atuando sob formas como interferência na produção de ATP ou inibição da absorção de oxigênio. Outros aleloquímicos podem também reduzir a razão ATP/O em suspensão mitocondrial.
Alelopatia e fotossíntese
Alguns aleloquímicos, como a escopoletina, podem reduzir a taxa fotossintética líquida das plantas, reduzindo também a expansão da área foliar. O sorgoleone, exsudado pelas raízes de sorgo, inibe o transporte de elétrons no fotossistema II, tendo maior atividade inclusive do que o herbicida diuron na inibição da fotossíntese.
Além disso, alguns aleloquímicos podem provocar o fechamento estomático em algumas plantas ou influenciar o conteúdo de clorofila nas folhas.
Alelopatia e a absorção de nutrientes e processos relacionados
- Absorção de íons e minerais: alguns aleloquímicos interferem o processo de absorção de minerais. Por exemplo, os ácidos cinâmicos inibem a absorção de íons de potássio e fósforo nas raízes de cevada. Efeitos semelhantes também foram observados em aveia e soja.
- Relação hídrica: alguns compostos aleloquímicos reduzem o potencial osmótico e pressão de turgor das células, influenciando no fluxo de água das plantas entupindo os vasos do xilema;
Fatores que afetam a alelopatia
Diversos fatores bióticos (pragas, doenças ou plantas daninhas) e abióticos (temperaturas, radiação, água e nutrientes) afetam a produção de compostos alelopáticos, que atuam como defesa da planta nestas condições adversas. Basicamente, a falta de recursos, condições adversas ou presença de pragas, doenças e plantas daninhas resultam em aumento dos compostos aleloquímicos, de forma a favorecer o desenvolvimento da planta em condições mais limitantes.
No solo, a textura influencia bastante na atividade dos compostos aleloquímicos. Ácidos fenólicos, por exemplo, devido a sua alta reatividade, não são transportados para grandes distâncias em relação à origem. Esses compostos devem persistir e se acumular no solo para causar efeitos alelopáticos. Estudo realizado por Oleszek & Jurzysta (1987) mostra que os aleloquímicos liberados pelas raízes de alfafa e trevo vermelho inibiram mais o crescimento de plântulas de trigo em solos arenosos do que argilosos. Ocorre que, nos solos argilosos, ocorre maior adsorção dos aleloquímicos, reduzindo as suas atividades. Outros estudos também observaram resultados semelhantes.
Basicamente, os efeitos alelopáticos diversas vezes são mais severos em solos com textura arenosa. Porém, em casos de excesso de umidade, os efeitos podem ser mais severos em solos mais argilosos. O pH também exerce bastante influência, porém, os estudos muitas vezes mostram resultados contraditórios quanto ao efeito do pH na atividade de compostos aleloquímicos. Talvez tal fenômeno ocorra pela interação da textura e pH com outras propriedades e características do solo.
Usando a alelopatia para o controle de plantas daninhas
A alelopatia pode ser utilizada no combate de plantas daninhas, problema que causa grandes perdas de produção nas culturas a nível mundial. Os aleloquímicos causam efeitos tóxicos às plantas, podendo ser utilizados em rotação de culturas ou na obtenção de herbicidas ecológicos. Compostos como anisomicina, benzoxazinonas, bialafos, cineole, ácido fusário, fosfinotricina etc. são obtidos de compostos naturais plantas ou microrganismos.
Plantas daninhas que causam alelopatia
Diversas plantas daninhas podem liberar compostos alelopáticos no ambiente, podendo contribuir para o controle de outras plantas daninhas. Observe a tabela abaixo:
Planta daninha doadora | Cultura receptora | Efeito causado na cultura receptora |
Plantas daninhas monocotiledôneas | ||
Trigo silvestre (Agropyron repens) | Aveia, milho, soja, feijão-comum | Extrato aquoso de parte aérea ou de rizomas retarda a germinação e reduz o crescimento da raiz |
Tiriricão (Cyperus esculentus) | Milho, soja | Resíduo das plantas e extrato diminuem o peso seco das plantas-teste |
Tiririca (Cyperus rotundus) | Cebola, tomate, rabanete | Extrato aquoso reduz a sobrevivência das plantas teste |
Grama-seda (Cynodon dactylon) | Pêssego | Crescimento afetado de árvores recém plantadas |
Azevém (Lolium perenne) | Alface | Extrato da lavagem das sementes com água inibe a germinação e crescimento das plântulas |
Capim-rabo-de-raposa (Setaria glauca) | Soja, milho | Resíduo da planta reduz altura, crescimento e peso fresco da parte aérea das plantas-teste |
Capim-massambará (Sorghum halepense) | Cevada | Apodrecimento de plantas no solo inibe o crescimento das raízes e da parte aérea |
Plantas daninhas dicotiledôneas | ||
Caruru (Amaranthus palmeri) | Cebola, cenoura | Resíduo da planta diminui o peso fresco e crescimento das plântulas |
Caruru (Amaranthus retroflexus) | Milho, soja | Extrato aquoso inibe o crescimento do coleóptilo em milho e hipocótilo em soja |
Carrapichinho (Alternathera triandra) | Soja, amendoim, feijão | Reduz o crescimento da planta teste |
Losna-do-campo (Ambrosia trifida) | Rabanete, sorgo | Extrato aquoso inibe a germinação e reduz crescimento das plântulas |
Picão-preto (Bidens pilosa) | Alface, feijão-comum, milho, sorgo | Exsudato radicular inibe o crescimento das plântulas |
Cambará, mata-pasto (Eupatorium odoratum) | Amendoim-bravo, feijão-caupi | Resíduos de raízes, caule e folhas retardam a germinação e reduzem a área foliar e produção de matéria seca |
Losna-branca, fazendeiro (Parthenium hysterophorus), | Feijão-comum, feijão-caupi | As folhas secas misturadas ao solo reduzem o crescimento e nodulação da planta |
Carrapichão (Xanthium strumarium) | Nabo, alface, milheto | Extrato aquoso de diferentes partes da planta reduz a germinação, crescimento e peso seco das plantas-teste |
Ançarinha-branca (Chenopododium album) | Soja, milho | Extrato aquoso do resíduo inibe o crescimento da raiz e do coleóptilo |
Erva de Santa Luzia (Euphorbia hirta) | Amendoim, soja, feijão | Secreção da raiz afeta a germinação e o crescimento das plantas-teste |
Azedinha, trevo (Oxalis corniculata) | Trigo | Extrato aquoso das folhas e tubérculos reduz o crescimento das plântulas |
Trombeteira (Datura stramonium) | Cevada, trigo | Alcalóide lixiviado das sementes reduz o crescimento das plântulas |
Cambará (Lantana camara) | Soja, milho | Resíduo da parte aérea afeta o crescimento das raízes e da parte aérea das plantas-teste |
Fonte: Kohli et al. (1998).
Culturas que causam alelopatia
As culturas também podem liberar compostos alelopáticos no ambiente, prejudicando o desenvolvimento de outras espécies ou até mesmo da mesma espécie, podendo ser um efeito indesejado. Podemos citar o milho como exemplo, cujos resíduos podem causar fitotoxicidade à própria espécie, podendo esse efeito ser reduzido quando utilizada rotação com a soja. Os grãos de pólen do milho também podem liberar compostos alelopáticos.
Outras culturas também podem causar efeitos prejudiciais a outras espécies ou a si mesmas através da decomposição, como no caso do trigo, arroz, canola, couve e centeio, cuja decomposição das folhas causam efeitos alelopáticos.
Podemos citar também a aveia, trigo, triticale, centeio, nabo, colza e tremoço que possuem capacidade de inibir a germinação e desenvolvimento de capim-marmelada (Brachiaria plantaginea), capim-carrapicho (Cenchrus echinatus) e amendoim-bravo (Euphorbia heterophylla).
Observe a tabela abaixo com outros casos de alelopatia causado por culturas agrícolas:
Cultura doadora | Cultura receptora | Efeito causado na cultura receptora |
Girassol | Soja, sorgo | Folhas secas misturadas no solo inibem a germinação e reduzem o crescimento das plântulas |
Trigo | Resíduos de girassol no campo reduzem de 4% a 33% da germinação de sementes de trigo | |
Nabo | Feijão-mungo-verde | Extrato aquoso de resíduos inibe a germinação e reduz o crescimento das plântulas |
Rabanete | Alface | Resíduos de raízes ou da parte aérea inibem a germinação |
Batata-doce | Alfafa, tiriricão | Extrato aquoso e metanólico reduzem a germinação e matéria seca das plantas |
Soja | Mostarda, alfafa, rabanete, milho | Extrato aquoso inibe a germinação das espécies e crescimento inicial de plantas de milho |
Tremoço | Caruru, ançarinha-branca | Exsudatos radiculares reduzem o crescimento e aumentam a atividade enzimática da catalase e peroxidase |
Alfafa | Trigo | Extratos aquoso e alcoólico diminuem a germinação e crescimento das plântulas |
Pepino | Resíduos da planta diminuem a germinação e crescimento das plântulas | |
Trevo | Cebola, cenoura, tomate | Compostos voláteis presentes nos resíduos das plantas diminuem a germinação e o crescimento das espécies |
Café | Alface, azevém | Extratos aquosos de raízes e folhas secas reduzem germinação e crescimento da radícula |
Sorgo | Trigo | Resíduos do sorgo reduzem de 10% a 31% a germinação do trigo |
Trigo | Algodão | Resíduos do trigo reduzem a germinação e a matéria seca das plantas |
Fonte: Kohli et al. (1998).
Anderson Wolf Machado - Engenheiro Agrônomo
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