Mecanismo de polinização representa 10% do valor da produção agrícola mundial
Soja e Canola são beneficiadas pela polinização feita por abelhas
A informação foi dada pela professora da Universidade de São Paulo (USP) Vera Lúcia Imperatriz Fonseca, durante palestra no segundo encontro do Ciclo de Conferências 2014 do programa BIOTA-FAPESP Educação, realizado em São Paulo. Cientistas estimam que no ano de 2007, por exemplo, o valor global do mel exportado tenha sido de US$ 1,5 bilhão. Já o valor dos serviços ecossistêmicos de polinização em todo o mundo era calculado em US$ 212 bilhões.
Os dados foram levantados em diversos estudos e estão reunidos no livro Polinizadores no Brasil: contribuição e perspectivas para a biodiversidade, uso sustentável, conservação e serviços ambientais, um dos vencedores do Prêmio Jabuti de 2013.
A obra é fruto do Projeto Temático FAPESP “Biodiversidade e uso sustentável de polinizadores, com ênfase em abelhas Meliponini”, coordenado por Fonseca no âmbito do Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Recuperação e Uso Sustentável da Biodiversidade de São Paulo (BIOTA).
As verduras e frutas lideram as categorias de alimentos que necessitam de insetos para polinização (cada uma das produções tem valor estimado de € 50 bilhões). Seguem as culturas oleaginosas, estimulantes (café e chá), amêndoas e especiarias. Em média, segundo os estudos, o valor das culturas que não dependem da polinização por insetos é de € 151 bilhões por ano, enquanto o das que dependem da polinização é de € 761 bilhões.
“Cerca de 75% da alimentação humana depende direta ou indiretamente de plantas polinizadas ou beneficiadas pela polinização animal. Dessas, 35% dependem exclusivamente de polinizadores. Nos demais casos, insetos como as abelhas ajudam a aumentar a produtividade e a qualidade dos frutos”, afirmou Fonseca, que atualmente é professora visitante na Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa), no Rio Grande do Norte.
Pesquisas recentes, contou Fonseca, mostraram que mesmo culturas como a canola (polinizadas pelo vento) e a soja (considerada autofértil) produzem entre 20% e 40% a mais por hectare quando recebem apoio de colônias de abelhas da espécie Apis mellifera ou quando a plantação é feita ao lado de áreas com remanescentes de vegetação nativa.
“Quando se usam abelhas, jataí por exemplo, na polinização do morangueiro em ambientes protegidos, diminui em 70% o número de frutos malformados em alguns cultivares.
Outra cultura que se beneficia da polinização em ambientes protegidos é a do tomateiro, que precisa de abelhas que vibram nas flores, como as do gênero Melipona. Em geral, as abelhas aumentam a produção de sementes, atuam na qualidade do habitat, tornam os sistemas agrícolas mais sustentáveis e trazem benefícios amplos ao meio, favorecendo outros serviços ecossistêmicos que permitem a preservação da biodiversidade e dos recursos hídricos”, disse Fonseca.
Mudanças climáticas
Embora a demanda pelos serviços de polinização das abelhas cresça na mesma medida em que cresce a produção agrícola mundial, os habitats favoráveis à manutenção desses insetos diminuem a cada ano. Tal descompasso tem resultado em um fenômeno recente batizado pelos cientistas como desordem do colapso das colônias (CCD, na sigla em inglês).
De acordo com Fonseca, a síndrome do desaparecimento das abelhas foi detectada pela primeira vez em 2007 no Hemisfério Norte. Atualmente, naquela região, a perda tem sido em torno de 30% das colônias por ano e tem se tornado necessário importar abelhas de outros locais para promover a polinização agrícola. A Europa também sofre com o fenômeno, que começou a ser detectado no Brasil em 2011.
“O aluguel de uma colônia de abelhas para fazer a polinização chega a US$ 200 nos Estados Unidos, pois os produtores sabem que o lucro gerado pelo serviço prestado será muito maior. E não há abelhas suficientes. Esta é uma tendência mundial, pois cada vez mais plantamos culturas que dependem das abelhas para sua produção”, contou Fonseca.
Entre os fatores apontados como causa do desaparecimento das abelhas estão o uso inadequado de herbicidas e pesticidas, o desmatamento seguido pela ocupação do solo por extensas monoculturas e a migração de colônias para promover a polinização agrícola.
“O pesticida, quando não mata a abelha num primeiro momento, a deixa fraca e reduz o tempo da atividade forrageira (busca de alimento). Por outro lado, as abelhas têm de percorrer distâncias cada vez maiores em busca de comida quando ocorre a substituição da vegetação nativa por monocultura, pois há menor diversidade de flores. A migração de colônias, por sua vez, pode aumentar a competição por comida entre as espécies e favorecer a disseminação de doenças”, explicou Fonseca.
O cenário, já nada animador, tende a piorar com a chegada de um novo problema: as mudanças climáticas globais. Isso porque os polinizadores, assim como as plantas que os mantêm, têm um raio de distribuição geográfica influenciado pela temperatura e pelas chuvas.
“As previsões do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas) para o Nordeste brasileiro, por exemplo,são de aumento de 4º C na temperatura nos próximos 50 anos. Isso deve impactar fortemente na área de ocorrência das abelhas. Temos feito trabalhos de modelagem de distribuição de espécies e estudos com a metodologia da análise polínica do alimento coletado por elas para saber quais plantas as abelhas visitam.
Essas ferramentas permitem fazer uma análise da utilização de recursos florais e, com o auxílio do herbário da flora do Brasil, modelamos as fontes principais de alimento. Cruzando os dados, é possível identificar as áreas naturais mais importantes para serem reconstruídas e preservadas e planejar um programa de mitigação. Isso para que daqui a 40 ou 50 anos as abelhas tenham algum lugar para viver”, explicou Fonseca.