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Treine você mesmo


ANDRE MARQUES VALIO
Meu início de carreira foi nas áreas de planejamento e projetos. Minhas principais ferramentas eram uma boa planilha eletrônica (acreditem, comecei com Lotus 1-2-3!), uma calculadora financeira e um bom caderno de anotações de campo.
A quantidade de informações para a gestão de matéria-prima em uma usina de açúcar e etanol é imensa e, como disse Deming: “Não se gerencia o que não se mede!”
Entretanto, no final dos anos 90, a implantação de ERP ainda era uma realidade distante para a maioria das empresas do setor sucroenergético. A única solução era criar controles e medidas baseados em soluções legadas, sendo boa parte disso em planilhas eletrônicas.

Mas como implantar uma sistemática de planejamento e controles onde o time desconhece os recursos básicos de informática?
A solução óbvia que me veio a cabeça foi solicitar ao Depto. de RH um curso in company de informática básica e utilização de planilhas eletrônicas para todo o time de gestão agrícola (supervisores, coordenadores, líderes de frente de trabalho, almoxarifes, técnicos agrícolas, técnicos mecânicos, escriturários, auxiliares administrativos…). Mas a resposta que recebi é que não tínhamos previsto uma verba para esta finalidade em orçamento.
Sei que o orçamento em qualquer companhia, principalmente na de commodities, é algo sagrado. Não há como alterá-lo sem que se assuma ter cometido um grande pecado.
Mas tinha que haver uma solução, pois a qualidade das nossas informações era muito ruim, o que nos colocava em risco de ter interpretações erradas da realidade e com isso tomar decisões equivocadas.
Lembrei-me da minha época de acadêmico na ESALQ, onde para me manter tive que dar aulas de informática, e pensei: “Por que não dar o treinamento eu mesmo?”
Decidi então montar o material didático adaptado ao público potencial e procurei novamente o gerente de RH e propus para ele que eu mesmo faria os treinamentos após o expediente de trabalho para aqueles que se interessassem. A contrapartidas por parte da empresa seriam fornecer recursos áudio-visuais, um pequeno lanche (pão com mortadela e tubaína) e transporte após o encerramento das aulas que seriam realizadas 2 vezes na semana.
Como o incremento orçamentário seria muito baixo, seria possível suportá-lo, já que não teríamos que pagar ao professor e toda a infra-estrutura já estava disponível na companhia, conseguimos a aprovação para um projeto piloto.
Mas não podíamos limitar aos colaboradores do depto. Agrícola, pois soaria como algo discriminatório. Tomamos a decisão de abrir o curso a todos os colaboradores que de forma voluntária quisessem participar, tendo como ônus ficar após o expediente por mais 1h30 por 2 vezes na semana por 1 mês.
A adesão dos colaboradores foi surpreendente e 56 candidatos surgiram e não tínhamos como prover os recursos para todos em uma única turma. Fizemos então testes de nivelamento, auxiliados pelo pessoal de TI e criamos 3 turmas (básico, básico-intermediário e intermediário), o que me obrigou a dar treinamentos de segunda a sábado (inicialmente previa 3h por semana e passaram a ser 9h!).

A maior vantagem deste treinamento foi que pudemos utilizar exemplos práticos do dia-a-dia da usina, o que foi um recurso didático excepcional! O nível de absorção de conhecimento foi altíssimo, pois todos conseguiam aplicar o que estava sendo ministrado.
O clima organizacional e a motivação dos colaboradores melhoraram sobremaneira, pois até então a companhia não tinha a tradição de investir em qualificação do seu trabalhador e que naquele momento as coisas estavam mudando.
Os controles passaram de 74% de aderência para 96%, mesmo sem ter criado um plano de remuneração variável para este indicador.
Dos 56 inscritos, 54 concluíram o curso e muitos talentos foram revelados. Desta experiência, alguns despertaram para as carreiras de tecnologia e se aprofundaram nos estudos e hoje são profissionais altamente qualificados em empresas de informática multinacionais ou atuam com agricultura de precisão em projetos altamente sofisticados de sensoriamento remoto terrestre e satelital em agroindústria, em concessionárias de rodovias ou em grandes operadores logísticos. Outros se desenvolveram na própria usina ou alcançaram oportunidades de crescimento em outras indústrias análogas onde atualmente estão em posições de chefia em áreas como operações agroindustriais, planejamento, controladoria e manutenção automotiva.
Posso dizer que esta ação e dedicação extra nesta época me encheram de muito orgulho para com cada um que pude dar a possibilidade de novos horizontes de carreira.
Para a companhia, foi um grande salto qualitativo na gestão e as minhas atitudes foram vistas como um exemplo a ser seguido pelos meus pares, quebrando um grande paradigma que era de não sermos capazes de formar mão-de-obra de alto nível.

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