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Soja e abelhas: mais produtividade, menos emissões


Decio Luiz Gazzoni

            A soja é a quarta cultura mais cultivada em todo o mundo, depois do milho, arroz e trigo, contribuindo com 25% do óleo comestível e 65% da proteína para formulação de rações para consumo animal. Desde a década de 1970, a produção de soja cresceu mais rápido do que qualquer uma das principais culturas, prevendo-se produção próxima a 400 milhões de toneladas (Mt) nesta safra. O Brasil consolida-se como o maior produtor mundial, com colheita estimada de 159,8 Mt – 40% da soja produzida no mundo - ocupando 43,8 milhões de hectares.

            A polinização é um dos serviços ecossistêmicos mais importantes, permitindo a perpetuação das espécies vegetais, garantindo o fluxo e a troca de material genético entre plantas. Estima-se que existam 300.000 espécies diferentes de plantas com flores, entre elas 1.200 são cultivadas para fornecer alimentos ou outros produtos e serviços. Cerca de 80% das plantas com flores precisam de algum tipo de polinização biótica, para o que contam com dezenas de milhares de espécies de artrópodes polinizadores.

            Aproximadamente um terço da produção global de alimentos depende de polinizadores. Nos EUA, US$ 5 bilhões são anualmente adicionados ao valor da produção agrícola, devido à polinização por abelhas. Em termos globais, esse valor ascende a mais de US$ 200 bilhões.

 

Soja

            A soja é descrita nos textos clássicos como uma espécie autógama, autopolinizável e cleistogâmica, portanto, quando as flores se abrem, a maioria delas teria sido previamente autopolinizada. Ainda nos anos 1980, pesquisadores americanos demonstram que esta condição é prevalente em climas mais frios, onde as flores maduras permanecem parcialmente ou totalmente fechadas com baixa ou nenhuma produção de néctar. Estudos em ambientes com temperaturas mais elevadas – à semelhança do que ocorre com o Brasil - indicaram que as flores de soja podem ser polinizadas por visitantes florais até 6 horas após a abertura da flor.

            As flores usam estratégias para atrair abelhas como forma, tamanho, cor e substâncias voláteis. As abelhas atraídas são reforçadas para continuar visitando flores de uma determinada espécie de planta a fim de obter recursos (recompensas) para sua sobrevivência, como pólen, néctar, resinas, ceras, lipídios e óleos essenciais. Os cientistas demonstraram evidências de que a soja possui características de flores que, ativamente, atraem polinizadores, como a) guias de néctar nas flores, para orientação do polinizador; b) emissões de substâncias orgânicas voláteis sinalizadoras, que atraem abelhas; e c) um nectário funcional que produz néctar com concentrações substanciais de açúcares solúveis.

          O néctar é a principal recompensa floral da soja para as abelhas, e o pico de produção de néctar ocorre por volta do meio-dia, em quantidade apreciável e com alta concentração de açúcares. Como na natureza todos os eventos têm uma função, entende-se que, se uma planta de soja está investindo energia para atrair e fidelizar polinizadores, existe uma razão para tanto, e essa razão é o aumento da produção de sementes pelas plantas.

          Nesse contexto, uma integração harmônica de abelhas silvestres ou manejadas com a cultura da soja é primordial pois, com a expansão contínua de área, as lavouras de soja estão se aproximando dos repositórios de abelhas nativas ou dos apiários fixos. Com a descoberta da soja como um excelente pasto apícola, os apicultores estão posicionando seus apiários migratórios nas proximidades de áreas de cultivo de soja, para permitir que as abelhas forrageiem na soja. De sua parte, os sojicultores estão mostrando interesse crescente na colocação de apiários próximos às suas lavouras, pelo incremento de produtividade observado empiricamente na cultura.

 

Mais renda, menos emissões

            Por que as abelhas aumentam a produtividade da soja? O ovário da soja normalmente apresenta de 3 a 4 óvulos, podendo atingir até seis óvulos. As observações de campo mostram que o número médio de sementes/vagem é de 2,5, indicando que nem todos os óvulos são fecundados. A presença de abelhas aumenta a deposição de pólen no estigma e a formação dos tubos polínicos, elevando a probabilidade de fertilização dos óvulos. Nas lavouras próximas a apiários foi observado maior número de vagens com 3 e 4 grãos e menor número de vagens chochas ou com um grão.

          Em geral, os estudos realizados em diferentes países mostram um aumento de produtividade da soja entre 15-20%, na presença de população adequada de abelhas. Os experimentos da Embrapa mostraram ganhos médios de 13%. Esse incremento de produtividade é uma renda líquida para o produtor, uma vez que não requer qualquer alteração no sistema de produção como aumento de área, sendo utilizada a mesma quantidade de sementes, adubo, pesticida ou óleo diesel, ou seja, os custos permanecem os mesmos. Considerando a produtividade média da safra 2022/23, e a cotação atual da soja, isso significa uma renda líquida adicional de R$1.000,00 por hectare. O que equivale a 25% do custo de produção estimado para a próxima safra.

 

          As emissões de gases de efeito estufa são calculadas ao longo do ciclo da soja, em sua maioria decorrentes dos insumos utilizados. Ao colher mais, usando a mesma quantidade de insumos, sem aumentar a área utilizada, o produtor de soja está diminuindo a quantidade de emissões por tonelada de soja produzida. Esse é um fato muito importante para compor a imagem de sustentabilidade da agricultura brasileira junto aos consumidores dos países que importam nossos produtos.

          A Embrapa publicou dois livros sobre o tema, um denominado Soja e abelhas, e outro Plantas que os polinizadores gostam, que podem ser adquiridos através do email [email protected].

 

O autor é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja, membro do Comitê Científico da A.B.E.L.H.A., do Conselho Cientírico Agro Sustentável e da Academia Brasileira de Ciência Agronômica..

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