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Sobre os serviços de inteligência ou espionagem e de contra-espionagem.


Reginaldo Minaré
Aproximadamente 25 séculos separam o momento histórico que Sun Tzu desenvolveu suas atividades do período que estamos vivendo. Entretanto, o que Sun Tzu escreveu (século IV a.C.) sobre o uso de espiões no capítulo 13 do livro "A arte da Guerra" continua e continuará pedagógico.

Para Sun Tzu, o que faz o príncipe iluminado e o general sabedor vencer o inimigo sempre que se deslocam, elevando seus feitos acima daqueles obtidos pelos homens vulgares, é a razão baseada na presciência. Observa, também, que a presciência não advém nem de espíritos ou deuses, nem da analogia com ocorrências passadas ou de cálculo, mas sim é obtida por meio de homens espiões que conhecem a situação do adversário.

Defendendo a idéia de que o governante esclarecido e o general criterioso deve utilizar as mais dotadas inteligências do exército para a espionagem, Sun Tzu argumenta que há cinco tipos de espiões que podem ser empregados: nativos, internos, duplos, dispensáveis e vivos.

Agentes nativos são aqueles naturais da terra inimiga que por algum incentivo servem o estrangeiro. Os agentes internos são oficiais do inimigo que, cooptados, passam a servir o adversário. Entre esses estão aqueles que foram tirados do comando, aqueles que cometeram erros e foram castigados, os bajuladores e aduladores que só ambicionam riquezas e estão sempre dispostos a servirem aquele que proporcionar a manutenção de seu padrão de vida, os que estão injustamente em postos baixos na escala de comando e aqueles de duas caras que estão sempre à espera de oportunidades. Agentes duplos são os espiões inimigos que, por meio de suborno generoso, passam a servir o adversário. Agentes dispensáveis são agentes próprios aos quais são fornecidas deliberadamente informações erradas para que seja levada ao inimigo, fazendo-o direcionar suas preocupações e defesas para o inverossímil. Diz respeito ao espião que certamente será morto em campo inimigo. Dispensável, portanto. Agentes vivos são agentes próprios que vão e voltam com as informações. A escolha desses agentes exige elevado critério, pois deve-se escolher homens espertos, talentosos, inteligentes e com fácil acesso àqueles que privam com o soberano ou com pessoas da nobreza. É preciso estudar o caráter do espião, apurar se é sincero e inteligente, antes de confiar a ele uma missão.

De acordo com Sun Tzu, o ideal é ter esses cinco tipos de agentes trabalhando sem que se conheçam entre eles.

A contra-espionagem também foi objeto de estudo. O mencionado autor afirma ser fundamental desmascarar o agente inimigo que está espionando e tentar suborná-lo, fazendo-o mudar de lado. Assim, ter-se-á um agente duplo e por meio dele será mais fácil conseguir agentes nativos e internos.

Ao longo da história, a ciência e a tecnologia proporcionaram ao homem um arsenal de instrumentos que permitiram inovar por diversas vezes os meios e métodos utilizados no período de Sun Tzu para obter informações. Entretanto, no que diz respeito às características humanas observadas por Sun Tzu, a relevância que este atribuiu à presciência, à espionagem e a contra-espionagem, a atualidade do ensinamento é incontestável.

Hoje, possivelmente devido ao desgaste da palavra espionagem, que remete à obtenção de informações de forma ilegal, ou pelo fato da expressão "serviço de Inteligência" poder ter melhor apelo de marketing na mídia, as agências de espionagem não se declaram como tal e sim como serviços de inteligência ou de informações. Entretanto, nessas agências sempre são mantidos um departamento responsável pela contra-espionagem. A palavra contra-espionagem, possivelmente por estar ligada à segurança doméstica, indicando ações no sentido de impedir a atuação de espiões adversários, não apresenta desgaste e é sempre utilizada.

O espião ou agente de inteligência pode ser definido como uma pessoa que, de forma dissimulada ou secreta, observa ou escuta o que se passa para comunicar a quem lhe encarregou de espiar. O objetivo é obter o conhecimento de tudo aquilo que o inimigo ou concorrente tenta ocultar da forma mais completa possível. Para se recrutar bons espiões, deve-se ter um conhecimento profundo das paixões e vícios humanos. Contudo, por mais que o critério de escolha seja profissional e bem orientado, sempre se deve desconfiar. A confiança será construída pela observância do comportamento correto ao longo do tempo.

O resultado do serviço de espionagem depende da atuação de seus agentes. Além da habilidade para obter a informação, necessário ter a competência para processá-la adequadamente e extrair dela as conclusões corretas. Quanto mais fonte de informação um serviço de inteligência tiver, melhor será seu resultado, visto que terá possibilidade de fazer o cruzamento das informações obtidas e se certificar do grau de confiabilidade. Trata-se de uma atividade dispendiosa. Além disso, um bom serviço de espionagem deve lançar mão de tudo e de todos os meios, visto que, diferente da contra-espionagem, não há espionagem lícita. A busca de informação, de forma lícita, que difere em essência daquela obtida por meio da espionagem, pode ocorrer por meio de pesquisa em documentos ou livros disponíveis, análise de mapas ou amparado por decisão judicial.

Ao longo da história a atividade de espionagem foi promovida, principalmente, pelos Estados, com o objetivo de obter informações políticas ou militares e utilizá-las na formulação de estratégias de defesa ou ataque. Atualmente, muitos Estados também têm lançado mão dos serviços de espionagem para inibir atividades terroristas e desarticular grupos organizados que se dedicam ao tráfico de drogas. Entretanto, cada vez mais os serviços de espionagem e contra-espionagem são utilizados pela iniciativa privada e encontra campo fértil na área industrial e no universo político doméstico.

No âmbito da espionagem industrial, obter informação sobre a produção de um produto sem ter que investir na pesquisa e no processo de inovação; conhecer a estratégia comercial do concorrente, sabendo antecipadamente o cronograma estabelecido para o lançamento de um novo produto; ou identificar os funcionários com capacidade para inovação à disposição do concorrente para oferecer-lhes melhores contratos e poder contar com seus serviços, pode significar a obtenção de maior ou menor sucesso financeiro. Já no universo político doméstico, ter acesso a informações sobre o concorrente, seja sabendo de situações particulares que possam fragilizá-lo de alguma forma ou conhecendo detalhes a respeito de acordos ilícitos e inconfessáveis realizados no exercício da vida pública, pode significar a capacidade de dissuadir ou eliminar politicamente um concorrente. Por exemplo, o caso Watergate teve início na coleta de informações, por meio de espionagem, em uma sede do Partido Democrata durante a campanha presidencial americana de 1972 vencida por Richard Nixon, candidato do Partido Republicano.

Semelhante ao que ocorre com a área de espionagem, a contra-espionagem também desperta o interesse dos Estados e das grandes corporações. Por exemplo, a prevenção a uma sabotagem biotecnológica, impedindo que patógenos sejam introduzidos nos sistemas de produção de alimentos ou medicamentos, representa, cada vez mais, uma atividade que interessa tanto aos Estados quanto a iniciativa privada. O universo econômico competitivo entre Estados e entre grandes corporações, que se acentua cada vez mais, constitui um ambiente fértil para o desenvolvimento de atividades de sabotagem e exige cada vez mais dos serviços de inteligência.

Ao longo da história, para realizar as atividades de espionagem ou contra-espionagem, o uso de agentes sempre foi a principal maneira de obter informações mantidas como secretas pelos adversários. Entretanto, com o extraordinário avanço científico e tecnológico, a obtenção de informações, por meio da interceptação de comunicações realizadas nos mais variados meios disponíveis, vem ganhando relevância.

Seja, portanto, para o desempenho das atividades do Estado, da iniciativa privada ou prática política, a boa informação obtida por meio da prática da espionagem ou da contra-espionagem continuará representado um relevante capital para aquele que a conseguiu, visto que deixará de atuar às cegas diante da estratégia dos adversários.

Reginaldo Minaré
Advogado e Mestre em Direito

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