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Sobre a incompetência do sistema de registro de agrotóxicos


Reginaldo Minaré
A produção agrícola ocupa posição de destaque na comunidade brasileira, produz, de fato, os alimentos necessários à população doméstica, contribui com significativa parcela das exportações brasileiras e com a oferta de empregos no território nacional.


A utilização dos produtos fitossanitários ou agrotóxicos nas práticas agrícolas constitui ferramenta importante para proteger as lavouras das pragas e das plantas daninhas, proteção que é fundamental para garantir e melhorar a produção agrícola.

No Brasil, o uso de defensivos agrícolas é uma atividade regulamentada pelo Poder Público federal. Não se trata, portanto, de uma atividade proibida. O uso desses produtos deve seguir as recomendações aprovadas pelo órgão oficial e as prescrições feitas por profissional habilitado.

Contudo, espera-se que essa regulamentação tenha por objetivo garantir um padrão elevado de análise no processo de aprovação dos produtos fitossanitários, e não onerar o sistema produtivo com custos burocráticos desnecessários nem contribuir com a quebra de confiança entre os interessados no bom funcionamento do sistema devido à falta de transparência do mesmo.

Os pontos abaixo analisados são suficientes para fundamentar a firmação de que o atual sistema de registro de agrotóxicos não corresponde à pujança da agricultura brasileira.

=> Morosidade do processo de Registro.

A morosidade e o custo elevado dos registros de produtos fitossanitários no Brasil foram os principais argumentos utilizados pelos representantes das indústrias de produtos fitossanitários, em Audiências Públicas realizadas pela Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados em 2005, para justificarem o preço elevado dos defensivos agrícolas no Brasil e, inclusive, a falta de uma concorrência de fato em nosso mercado.

Restou claro ao final das Audiências Públicas, que o procedimento de registro praticado pelo Poder Executivo não estava atendendo às expectativas das indústrias de produtos fitossanitários instaladas no Brasil e, também, do setor agrícola.

Após a constatação acima mencionada, significativo esforço foi coordenado pela Casa Civil da Presidência da República, e resultou, no final de 2006, na modificação, o Decreto nº 4.074, de 4 de janeiro de 2002, que regulamenta a Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989. Devido à modificação feita, no ano de 2007 os prazos de tramitação dos processos de registro de agrotóxicos genéricos foram reduzidos. Contudo, já em 2008 a morosidade na avaliação dos processos foi se instalando e atualmente a situação está semelhante àquela existente antes da mudança do Decreto.

Recentemente a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA disponibilizou planilhas com a série completa de processos de registro de Produtos Técnicos Equivalentes - PTE, desde 2005:

* Processos PTE concluídos = 253

* Processos PTE em análise = 139

* Processos PTE aguardando análise = 256

Portanto, em 6 anos (jul.2005 a jul.2011) foram analisados 253 processos, uma média de 42 por ano. Em 2010 o ritmo aumentou, pois foram concluídos 55 processos. Assim, a considerar o ritmo de 2010, o processo do final da fila deverá ser analisado daqui a (253 +139) / 55 = 7 anos e 1 mês. Se o ritmo for o médio, o exame será daqui a 9 anos e 4 meses.

Administrado pelos Ministérios da Agricultura, Saúde e Meio Ambiente, o registro é necessário, nos termos da Lei 7.802/89 (Lei de Agrotóxicos), para a realização das atividades de produção, importação, exportação, comercialização e utilização de qualquer agrotóxico. A Lei, de fato, exige o registro, mas, em nenhum momento, seu texto impõe a criação de um sistema lento e dispendioso.

A justificação da demora no sistema brasileiro de registro no Brasil se torna mais difícil, e até inexplicável, quando se trata de processo de registro que envolve um produto genérico, que é uma cópia de um produto original, cuja patente já se expirou após 20 anos de exclusividade.

Cabe observar, que em regra o preço de um produto é maior durante o período de vigência da patente, pois o monopólio para a produção, a necessidade de recuperar o que foi investido nas pesquisas e de financiar novas pesquisas contribui para a manutenção do preço elevado durante o período de proteção.

Depois de expirada a patente, qualquer pessoa pode utilizar livremente o produto que era patenteado. Após a expiração da patente, a concorrência promovida pela diversidade de fornecedores do produto, que não necessitam recuperar investimentos feitos em pesquisa, provoca a queda dos preços.

No caso dos produtos fitossanitários genéricos, quando o Poder Público demora 7 ou 9 anos para registrar um produto, como é a situação atual no Brasil, prorroga-se indiretamente o período de proteção patentária do produto, que passa de 20 para 27 ou 29 anos.

Durante esses 7 ou 9 anos os produtores rurais e os consumidores não se beneficiam dos efeitos da livre concorrência e acabam tendo que pagar por um produto com patente expirada o mesmo preço que pagavam quando a proteção estava em vigor.

O mercado de produtos fitossanitários no Brasil atingiu faturamento superior a U$ 7 bilhões de dólares ao ano. Sendo as culturas da soja, algodão, milho e cana, os mercados mais representativos, e os herbicidas, fungicidas e inseticidas os defensivos agrícolas com maior participação no mercado.

Considerando o expressivo faturamento do setor e a relevância desses produtos para a formação do custo das lavouras, fica evidente que o Poder Público tem a obrigação de remover qualquer obstáculo desnecessário que esteja dificultando o fortalecimento da concorrência no mercado nacional e elevando o custo dos produtos.

=> Produtos fitossanitários para as pequenas culturas.

Outro problema que exige solução rápida e eficaz diz respeito à falta de oferta de produtos fitossanitários para as pequenas culturas.

Iniciado em 2001 com o objetivo de estruturar um serviço para avaliar a qualidade dos alimentos e implementar ações de controle de resíduos, o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos – PARA da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa gera relatórios que são divulgados pela Agência. No final de 2011 a Agência divulgou o relatório de atividades 2010 que foi bastante repercutido pelos meios de comunicação.

Os dados do PARA, divulgados em dezembro de 2011, são razoáveis, salvo situações onde ocorrem o uso de produtos não autorizados em algumas culturas menores. O monitoramento de resíduos vem mostrando que o agricultor aplica os produtos corretamente, pois o índice de Limites Máximos de Resíduos – LMR acima do permitido é similar ao que ocorre nos países europeus. Contudo, para as campanhas difamatórias, o que interessa não é o que está sendo feito de maneira correta e sim o que é apontado como falha.


O problema relacionado ao uso de produtos fitossanitários não registrados para as culturas menores, especialmente as hortícolas, já é amplamente conhecido desde o final da década de 1970 e figura como ponto crítico em todos os relatórios do PARA. Entretanto, embora seja um problema conhecido e de fácil solução, até o momento o Poder Público não adotou medidas eficazes para impedir que essa situação se perpetue nos próximos relatórios do PARA.

Para a indústria de produtos fitossanitários, o custo do registro resultante dos testes exigidos, tanto os ensaios de campo quanto os de laboratório e a morosidade do processo de registro, desestimulam o investimento, visto ser baixa a demanda que as culturas menores representam. Salvo culturas importantes, como laranja e maçã, a maior parte das culturas de frutas e hortaliças apresenta o mesmo problema, ou seja, pouco ou nenhum produto fitossanitário registrado para o controle químico de pragas e doenças.

Os principais problemas decorrentes da falta de registro dos produtos fitossanitários para as culturas menores é a ausência do estabelecimento do Limite Maximo de Resíduo - LMR e do intervalo de segurança. Essas exigências são definidas pelos órgãos registrantes por meio de ensaios de campo e de laboratório. Por não haver maior oferta de produtos fitossanitários registrados para uso nas pequenas culturas ou "minor crops", os produtores acabam usando, por conta própria ou por orientação de terceiros, produtos indicados para outra cultura que não a que está recebendo a aplicação do produto químico.

Recentemente o problema foi reconhecido pela Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e pela ANVISA, que publicaram a Instrução Normativa Conjunta nº 1, de 23 de fevereiro de 2010, construindo um mecanismo diferenciado de registro de agrotóxico para as pequenas culturas.

Contudo, até o momento não se tem resultado positivo relacionado à aplicação da Instrução Normativa Conjunta nº1, de 2010 e, seguramente, os problemas identificados nos relatórios PARA se repetirão.

=> Reavaliação de ingredientes ativos.

A correta condução do processo de reavaliação de ingredientes ativos utilizados na agricultura, além da proteção à saúde, garantirá aos produtores rurais, indústrias e consumidores brasileiros a estabilidade da oferta de produtos fitossanitários no mercado, condição fundamental para o controle do custo de produção dos alimentos. Por esse motivo, consideramos indispensável que este processo seja conduzido de forma transparente e absolutamente fundamentado. A inclusão de representantes da área acadêmica no processo de reavaliação seguramente contribuiria para ampliar sua transparência.

Salvo quando surgir situação que cientificamente seja recomendada a retirada abrupta de um ingrediente ativo do mercado, o processo de reavaliação deve considerar, além dos aspectos toxicológicos, ambientais e agronômicos, as características da agricultura tropical e os aspectos econômicos.

A reavaliação de produto com decisão de retirada do mercado, pelo fato de envolver a substituição de ingredientes ativos que já estão em domínio público por ingredientes protegidos por patentes, deve ser realizada de forma criteriosa e primar pela transparência, sob pena de colocar em cheque a relação de confiança entre os envolvidos.

=> Ativismo ideológico contra o sistema convencional de produção agrícola.

Cabe observar que o Poder Público Federal não elege um sistema de produção agrícola como sistema oficial. No Brasil, convive de forma harmônica a prática da agricultura convencional e orgânica. A agricultura pode ser praticada utilizando insumos químicos, transgênicos ou biológicos.

Importante também ressaltar que qualquer proposta destinada a eleger um modelo de produção agrícola em detrimento dos demais deve ser objeto de debate exaustivo, responsável e transparente, com a participação do Poder Publico, sociedade civil e produtores rurais, iniciando-se pela avaliação da viabilidade da proposta. Qualquer atuação isolada praticada por qualquer órgão do Governo no sentido de dificultar ou depreciar as práticas necessárias à utilização de um modelo de produção, com o objetivo de promover, de forma velada, a adoção de modelo que considera mais adequado deve ser de pronto rechaçada, visto que tal prática, quando desprovida do debate necessário e sem o suporte de políticas públicas, flerta com a irresponsabilidade. Ações dessa natureza podem prejudicar a qualidade dos produtos, aumentar o preço dos alimentos e até inviabilizar a produção em quantidades suficientes.

Não é exagero nem demagogia afirmar que a atual agricultura brasileira, de tão eficiente, pouco desperta na sociedade brasileira o interesse de compreender seus fundamentos e a entendê-la como instrumento estratégico para a população e para o Estado. O brasileiro, quando vai às compras, encontra, em todos os supermercados, feiras e açougues, alimento abundante, de boa qualidade e com bom preço.

Seguramente, caso em algum momento configurar cenário diverso, campanhas contra a agricultura brasileira, como as que são produzidas abordando o uso de agrotóxicos teriam menos conteúdo ideológico, vertente de argumentação que é predominante nessas ações. Em especial no documentário "O veneno está na mesa", de Silvio Tendler, que conta com a participação ativista de pessoas que atuam na Gerencia-Geral de Toxicologia da ANVISA.

=> Conclusão.

De fato, os pontos acima abordados exigem modificações profundas para sanar os vícios já cristalizados no sistema vigente, que é deveras arcaico e já demonstrou ser, por natureza, improducente.

Atualmente, diversos projetos de lei tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Entretanto, os projetos tratam de questões que, embora importantes, são pontuais. Por impedimento constitucional, visto ser de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que criam órgãos na administração federal, nenhum deles propõe a construção de uma nova estrutura para administrar o processo de registro e reavaliação dos agrotóxicos.

Dessa forma, cabe aos interessados exigir que o Governo Federal apresente uma solução para o setor, seja reformulando o sistema existente ou, o que seria melhor, criando uma estrutura colegiada, científica, transparente e ágil para dar ao segmento a resposta que ele merece.

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