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Rotulagem de transgênicos: o que provoca a resistência?


Reginaldo Minaré
O Jornal O Globo, como é reconhecido, tem uma longa história de veiculação de informações coerentes e esclarecedoras. Entretanto, na matéria publicada no caderno de economia no dia 10 de julho de 2011 – Transgênicos: informação mais clara no rótulo -, a tradição do esclarecimento correto não se fez presente de forma objetiva. Que se trata de uma matéria difícil é fato. Contudo, a informação deve ser elucidativa.

Possivelmente pela falta de um contraditório mais rigoroso a matéria apresenta uma visão pouco aprofundada que não corresponde à realidade da regulamentação da rotulagem dos transgênicos. No texto nada se explorou a respeito do que está provocando a resistência de algumas empresas ao cumprimento exaustivo da legislação em vigor, que envolve lei, decreto, portaria, instrução normativa conjunta e decisão judicial. Ouviu-se a versão do Departamento Nacional de Proteção e Defesa do Consumidor - DPDC, do Ministério da Justiça e a do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – Idec e não procurou identificar o real foco para a resistência. Uma explicação a respeito do objetivo do projeto de decreto legislativo nº 90/2007, que tramita no Senado Federal, poderá jogar luz nos pontos onde se instala a resistência do setor ao atual sistema normativo.

Especificamente sobre o projeto de decreto legislativo nº 90/2007, de autoria da senadora Kátia Abreu, a matéria informa que o projeto pretende acabar com a obrigatoriedade de as empresas informarem nos rótulos o uso ou não de matéria-prima transgênica em sua fabricação e com a obrigação da rotulagem de produtos que tenham sido fabricados com animais que tenham recebido ração transgênica.

A primeira afirmação não poderia ser mais equivocada. Em nenhum momento o projeto pretende acabar com a rotulagem especial dos transgênicos e seus derivados, que é uma exigência do artigo 40 da Lei nº 11.105/2005 (Lei de Biossegurança). O que o projeto pretende é afastar a necessidade de se colocar no rótulo dos produtos o símbolo que é exigido pela Portaria n° 2.658/03 do Ministério da Justiça. De acordo com essa Portaria o símbolo é um triângulo eqüilátero, com bordas pretas, fundo amarelo e uma letra T no centro. Exatamente a configuração de cores utilizadas nas placas que indicam advertência na sinalização de trânsito. O que claramente induz o consumidor ao sinal de alerta, de perigo, com relação ao consumo de um produto que teve sua segurança alimentar aprovada pelo Governo Federal. Nesse ponto cabe observar que o Código de Defesa do Consumidor está baseado nos princípios basilares da ordem econômica, que exige a boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. Não é justo o Governo Federal afirmar que um alimento é seguro e depois exigir que, além das informações a respeito das características do produto, nele seja afixado um símbolo que remete ao sinal de alerta, de perigo. Mesmo com a aprovação do projeto acima mencionado, o consumidor continuará sendo informado se um determinado produto contém transgênico ou derivado de transgênico.

A segunda afirmação diz respeito ao fato do projeto de decreto legislativo nº 90/2007, afastar a exigência da rotulagem de produtos que tenham sido fabricados com animais que tenham recebido ração transgênica. De fato o projeto propõe essa modificação. Entretanto, a matéria não informa que a Lei de Biossegurança exige rotulagem especial para transgênicos e derivados de transgênicos, mas que um animal, pelo fato de ter comido ração que continha ingrediente transgênico, não se torna um transgênico nem um e derivado de transgênico. Nesse ponto, cabe observar que o artigo 3º do Decreto nº 4.680/03, ao estabelecer que os alimentos e ingredientes produzidos a partir de animais alimentados com ração que contenha ingredientes transgênicos deverão trazer no painel principal, a seguinte expressão: (nome do animal) alimentado com ração contendo ingrediente transgênico ou (nome do ingrediente) produzido a partir de animal alimentado com ração contendo ingrediente transgênico. Definitivamente se trata de uma norma totalmente desprovida de razoabilidade que já deveria ter sido retirado do ordenamento jurídico pelo Poder Executivo, é o tipo de comando que contribui para depreciar o valor do sistema normativo. É inteligente aumentar o custo da produção de alimentos, criando uma cadeia de rastreabilidade dos produtos apenas para informar ao consumidor que aquele presunto foi produzido com carne de um porco que foi alimentado com ração que continha milho moído transgênico? O que esse tipo de informação acrescentaria à relação de consumo?

Cabe, portanto, ressaltar que o objetivo do projeto de decreto legislativo nº 90/2007 é acabar com os excessos que estão presentes na legislação que regulamenta a rotulagem de transgênicos e não com a rotulagem especial exigida para a comercialização de transgênicos e derivados de transgênicos, que continuará existindo nos termos estabelecidos pela Lei de Biossegurança. O afastamento dessas exigências ilegais e desnecessárias certamente contribuirá para a efetiva aplicação das normas aplicáveis à rotulagem dos transgênicos.

Por fim, importante informar que no Brasil temos regras para a rotulagem de transgênicos e seus derivados desde meados de 2001. A primeira regra para a rotulagem de transgênicos foi estabelecida pelo Decreto nº 3.871/01, que foi revogado pelo atual Decreto 4.680/2003. A regra anterior apresentava menos erros que a atual.

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