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Recuperação de pastagens: um grande desafio



Bruno Cirillo

Ministro quer recuperar 40 milhões de hectares de pastagens degradadas em dez anos  

O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, aposta na conversão de pastagens degradadas em terras agricultáveis para desenvolver o setor rural e fechar mais parcerias com países interessados no agronegócio brasileiro. A meta é recuperar, nos próximos dez anos, 40 milhões de hectares de pastos improdutivos, dobrando o ritmo atual (dois mi há/ano).

Produzir mais com menos, ou seja, sem desmatamento proporcional a acréscimos na produção, é uma demanda antiga do setor. Há uma década, a FAO (ONU) alerta que a oferta de alimentos precisa crescer 70% até 2050 para atender a uma população estimada em 9,6 bilhões de pessoas. Para isso, os países em desenvolvimento precisam investir US$ 44 bilhões por ano na agricultura, segundo os cálculos do órgão.

O plano de Fávaro está à altura. O ministro pretende captar US$ 120 bilhões para aumentar em 77% a área agricultável no Brasil, que hoje ocupa 52 milhões de hectares. Resta saber se o resultado é possível. A iniciativa tem sido uma bandeira do governo em visita à clientela internacional.

Em duas viagens, no final de julho e início do mês, o ministro esteve nos quatro países que primeiro souberam do programa, ainda nos primeiros meses de mandato, o Japão, a Coreia do Sul, Arábia Saudita e Emirados Árabes. Dentre eles, a Arábia Saudita sinalizou apoio, mas somente os japoneses bateram o martelo: o país financiará um milhão de hectares por meio da Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica), que há décadas mantém relações com o agronegócio brasileiro.

O assessor especial do ministro, Carlos Augustin, explica que os investimentos poderão ser feitos por governos, fundos soberanos e bancos de investimento via BNDES (juros de 4% ao ano, três anos de carência e 12 anos para pagamento) ou empresas como a Dreyfus, que tem acionistas sauditas, valendo pagar-se o empréstimo com grãos ou fertilizantes.

“Tem miríades de novos negócios possíveis. Agora que fizemos essa abertura, começa a haver possibilidades” (Carlos Augustin, Mapa)

“Tem miríades de novos negócios possíveis. Agora que fizemos essa abertura, começa a haver possibilidades”, disse Augustin ao Agrolink, revelando que o projeto será apresentado na COP 28, marcada para o dia 30 de novembro em Dubai. "Ainda há um caminho a percorrer. O fundo de desenvolvimento japonês foi o único que demonstrou interesse concreto. Eles vêm aqui na semana que vem, numa missão técnica", acrescentou.

O valor mínimo que se pretende arrecadar com o programa são US$ 80 bilhões, porém o valor médio de conversão de pastagens considerado é de US$ 3 mil por hectare – chegando aos US$ 120 bilhões – nas projeções do Ministério da Agricultura (Mapa). A iniciativa poderia ir além: atualmente, há cerca de 50 milhões de hectares de pastos com degradação no Brasil, lembra o analista de mercado Alcides Torres, da Scot Consultoria.

"Com poucos recursos é possível melhorar o desempenho produtivo das pastagens", afirma o especialista. Ele compara a meta com o Plano ABC, que tem por objetivo recuperar uma área de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas por meio do manejo adequado e adubação. “O Plano ABC levou cinco anos pra pegar. Porque, por exemplo, os gerentes dos bancos não estavam acostumados a conceder esse tipo de crédito”, recorda.

Estado que mais produz gado no Brasil, com 32,8 milhões de cabeças, o Mato Grosso tem 17 milhões de hectares de pastagens convertidas e mais 6,9 milhões de hectares de pasto nativo. Somando-se tudo, 32,3% das pastagens apresentam baixo vigor (degradados); 40,3% têm médio teor de qualidade; e 27,4% estão altamente produtivas, segundo a Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat).

Se você começar a transferir pastagem à monta de 40 milhões de hectares para a agricultura, sem medidas severas de intensificação da bovinocultura de corte, vai faltar área para o rebanho de 220 milhões de cabeças (Amado de Oliveira, Acrimat)

Consultor técnico da entidade, o economista Amado de Oliveira chama atenção para um risco no programa do governo, que deveria ser feito, segundo ele, em paralelo a investimentos na pecuária intensiva (confinamento). “Pode faltar pastagem para a bovinocultura. A gente conhece o modelo de pecuária extensiva e sabe das limitações e dificuldades para ampliar os pastos. Se você começar a transferir pastagem à monta de 40 milhões de hectares para a agricultura, sem medidas severas de intensificação da bovinocultura de corte, vai faltar área para o rebanho de 220 milhões de cabeças”, adverte.

Oliveira indica que o problema é especialmente maior para produtores com até 250 cabeças, que são 82% das 109 mil fazendas de boi no estado. Para se ter uma ideia, a conversão de pastagens no Mato Grosso foi de somente três milhões de hectares nos últimos dez anos, segundo a Acrimat. “Temos que intensificar, aumentar a produtividade. Estamos fazendo isso, mas não vamos conseguir em dez anos, porque precisa investir na pastagem, com nutrição do solo, enriquecimento da ração etc.”, observa.  

Para ser feita, a conversão das pastagens passa por 1) correção da acidez, fertilização e práticas de conservação; e 2) plantio de grãos, dessecagem (não ara mais o solo e passa dessecante) e plantio em cima da palha – um sistema genuinamente brasileiro. “Ou seja, todo um processo, e aí a coisa vai andando. Tudo isso precisa de recursos. Se tenho, acelera o processo. Se não tenho, a coisa acontece numa velocidade menor”, comenta um analista.

Os especialistas consultados pela reportagem destacam outros fatores que dificultarão os planos do ministro Fávaro, por desestimular a iniciativa do produtor em trabalhar a terra. Por exemplo, a quebra no preço do milho e, logo, do boi; uma safra recorde sem ter onde armazenar; e juros altos, que tendem a desestimular a produção física.

Na última segunda-feira (7), durante o Congresso da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Fávaro levantou a bandeira do programa para dizer que “não há PAC [lançado na sexta, 11] sem agricultura” e disse que “não podemos ter síndrome de vira-lata”, propondo-se a acrescentar em apenas uma década a quantidade total de terras incorporadas à agricultura nos últimos 50 anos.

“Tivemos um aumento de 140% na área ocupada, mas um crescimento de 580% em produtividade. Ninguém no mundo fez isso e ninguém no mundo tem a capacidade de fazer isso. Nós podemos e vamos fazer mais”, destacou o ministro. Terá, portanto, um grande desafio adiante.

Crédito das imagens: 1) Freepik.com/ 2) O ministro Carlos Fávaro (José Cruz/Agência Brasil)

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