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Regulamentação do acesso a recursos genéticos: entre um executivo inoperante e um legislativo omisso.


Reginaldo Minaré

Na pauta do Poder Executivo desde 2003, a reformulação do marco legal sobre acesso a recursos genéticos, conhecimentos tradicionais e repartição de benefícios ainda depende de uma proposta consolidada do Governo para ser encaminhada ao Parlamento, onde, certamente, será objeto de debates, receberá propostas para modificações e suscitará pedidos de audiências públicas na Câmara e no Senado.

Patinando em um ritual de consulta pública interminável, cujo final foi transferido de fevereiro de 2008 para abril e depois para julho, o assunto não caminha com a velocidade esperada. A morosidade no processo de substituição da legislação vigente desagrada pesquisadores e investidores, não só pelo adiamento da expectativa de solução, mas, e principalmente, pelo "clima de apagar das luzes" que acomete o sistema em vigor, que deveria permanecer funcionando e buscando soluções para os problemas administrativos já conhecidos.

É sabido e reconhecido por todos os usuários do sistema estabelecido e em funcionamento que as principais dificuldades do setor estão mais relacionadas à lentidão do procedimento administrativo dos processos no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético - CGEN e aos elevados custos da operação, do que às deficiências da Medida Provisória – MP nº 2.186-16, de agosto de 2001.

O fato da legislação em vigor exigir que o interessado tenha autorização do órgão competente - para ter acesso ao patrimônio genético existente no País e ao conhecimento tradicional a ele associado - não legitima o Poder Executivo a instituir um regulamento excessivamente burocrático e permitir que o órgão responsável pela regulamentação infralegal e por todas as autorizações tenha um funcionamento precário sistemático que prejudicou e prejudica sobremaneira a atuação das empresas e instituições de pesquisas.

A proposta que o Governo disponibilizou para consulta pública no final de 2007 e que ainda continua em consulta ostenta 142 artigos, 104 a mais do que a MP nº 2.186-16/01, e pouca expectativa de mudanças para melhor. O problema, muito semelhante ao que ocorre no campo dos transgênicos, é mais ideológico do que normativo. De nada vai adiantar mudar a lei se o pensamento equivocado que norteou a administração do CGEN nos últimos anos permanecer. O emaranhado administrativo continuará existindo nos processos de emissão de licença, realização de cadastros e análise de relatórios, figuras administrativas que aparecem na proposta de lei em consulta.

Cabe ressaltar que toda essa discussão que o Poder Executivo está promovendo, sem sucesso, no âmbito interno, deveria estar ocorrendo, desde 2003, no Congresso Nacional, com a discussão da MP nº 2.186-16/01, que poderia e pode muito bem ser aperfeiçoada e aproveitada.

Fazer as mudanças necessárias para garantir a redução dos custos dos processos, permitindo que as empresas públicas e privadas, universidades e instituições de pesquisa tenham condições de cumprir as exigências normativas, por meio da implementação de mecanismo de autorização e cadastro eletrônicos e simplificados, direcionando mais energia e recursos à tarefa de fiscalização das atividades, não depende de novo marco legal. Depende, sim, de um novo marco político, de um novo marco ideológico.

Diga-se de passagem, a Constituição Federal – CF estabelece, inciso II do § 1º do artigo 225, que incumbe ao Poder Público preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético. A CF trata, no mesmo dispositivo, de preservação, pesquisa e manipulação de material genético, exigindo a fiscalização das instituições dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético e não à criação de barreiras a essas atividades por meio do estabelecimento de um emaranhado normativo intransponível e dispendioso.

É necessário trabalhar e ter uma resposta para quando for perguntado: Por que preservar a diversidade biológica? Qual o valor econômico da biodiversidade? Não adianta pretender ser romântico e responder perguntas dessa natureza com o argumento de que a biodiversidade protegida contribui para a garantia da dignidade humana, serve de fonte de inspiração e proporciona atividades turísticas e recreativas. Estimular a bioprospecção, a pesquisa e a inovação tecnológica, garantindo o desenvolvimento de produtos derivados do aproveitamento dos recursos biológicos é, seguramente, a melhor maneira de demonstrar o valor econômico da diversidade biológica.

Um exemplo de alteração normativa que pode indicar uma mudança de postura ideológica e que o Poder Executivo não está propondo é a modificação do Código 20, Anexo VIII da Lei 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Neste código 20, está estabelecido que o uso da diversidade biológica pela biotecnologia, em atividades previamente identificadas pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio como potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente, possui grau médio de potencial de poluição, sendo, portanto, uma atividade passível de exigência de licenciamento ambiental.

Antes da publicação da Lei nº 11.105/05 (Lei de Biossegurança), que modificou o Código 20, Anexo VIII, da Lei 6.938/81, qualquer atividade que envolvesse introdução de espécies geneticamente modificadas e uso da diversidade biológica pela biotecnologia eram, apriorísticamente, consideradas poluidoras e passíveis de exigência de licenciamento ambiental.

No que diz respeito aos problemas que a redação anterior carreava para o desenvolvimento de atividades no campo da engenharia genética, a modificação realizada foi precisa e resolveu. Só será legítima a exigência de licenciamento ambiental de atividade de introdução de espécies geneticamente modificadas, quando a CTNBio considerar potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente.

Todavia, como a CTNBio tem competência apenas para a avaliação de pesquisas no campo da engenharia genética, para a modalidade "uso da diversidade biológica pela biotecnologia", a modificação introduzida pela Lei 11.105/05 não tem o mesmo efeito abrangente que conferiu à modalidade "introdução de espécies geneticamente modificadas".

A realização de uma atividade que consta no anexo VIII exige um procedimento complexo por parte do interessado. Ele terá que realizar, junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, o Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais e terá que pagar a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA, cujo sujeito passivo é aquele que exerce as atividades constantes do Anexo VIII da Lei 6.938/81. Além disso, o sujeito passivo da TCFA é obrigado a entregar até o dia 31 de março de cada ano relatório das atividades exercidas no ano anterior.

O projeto de lei do governo que atualmente está em consulta pública, além de manter a redação do código 20 do anexo VIII da Lei 6.938/81, cria o que podemos denominar de coleção de cadastros.

Lamentável constatar que este projeto de lei que o Governo Federal disponibilizou para consulta pública tem mais potencial para complicar do que para resolver.

A Emenda Constitucional nº 32, de setembro de 2001, que modificou dispositivos relacionados à edição e ao processamento das medidas provisórias, determinou que "as medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional". A MP nº 2.186-16/01 foi editada antes da Emenda Constitucional 32.

Lamentável também verificar que o Congresso Nacional, que já deveria ter analisado, debatido e deliberado definitivamente sobre a matéria disciplinada pela MP nº 2.186-16/01, tenha se omitido de maneira escandalosa sobre tema tão relevante. Mesmo conhecendo a letargia administrativa por que passa o setor interessado na bioprospecção, o legislativo acomodou-se na espera de um projeto de lei que um dia poderá ser elaborado e enviado pelo Poder Executivo que só fez criar mais entraves à atividade.

Reginaldo Minaré

Advogado e Diretor Jurídico da ANBio

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