CI

Protocolo de Cartagena: nele nada interessa ao Brasil


Reginaldo Minaré

                   

                  O artigo 19 da Convenção sobre Diversidade Biológica – CDB, que foi assinada na ECO 92 no Rio de Janeiro, orienta que os participantes da Convenção examinem a necessidade e as modalidades de um protocolo para estabelecer procedimentos adequados a respeito da transferência, manipulação e utilização seguras de todo transgênico que possa ter efeitos negativos para a conservação e utilização sustentável da diversidade biológica.

Em decorrência dessa orientação, foi elaborado entre 1996 e 1999, o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, que foi celebrado em Montreal em 2000. Este Protocolo entrou em vigor no âmbito internacional em 11/09/2003, foi aprovado pelo Congresso Nacional no dia 21/11/2003, recebeu a adesão do Brasil em 24/11/2003, entrou em vigor para o Brasil no dia 22/02/2004 e foi promulgado pelo Presidente da República por meio do Decreto nº 5.705 em 16/02/2006.

O artigo 1º do Protocolo, que estabelece o objetivo do documento, reafirma o que é estabelecido pelo artigo 19 da CDB e ressalta a abordagem de precaução contida no Princípio 15 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Já o artigo 4º, que delimita o escopo do Protocolo, afirma que o texto será aplicado ao movimento transfronteiriço, ao trânsito, à manipulação e à utilização de todos os organismos vivos modificados que possam ter efeitos adversos na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica, levando também em conta os riscos para a saúde humana.

Verifica-se, portanto, que tanto a CDB quanto o Protocolo restringe a aplicação das regras aos transgênicos que possam ter efeitos adversos na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica, levando também em conta os riscos para a saúde humana, e não a qualquer transgênico.

Contudo, o Protocolo não é claro sobre quem identificará o transgênico possuidor daquelas características que o faria ser objeto do tratado. Diante dessa dificuldade operacional, estão interpretando o Protocolo de forma dogmática e aplicando suas exigências para qualquer transgênico. Esse tipo de interpretação parte do princípio que todo transgênico pode provocar efeitos adversos na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica e algum risco para a saúde humana, o que é totalmente contrário ao método de análise caso a caso que é o mais indicado para a avaliação da biossegurança dos transgênicos.

Tema relevante que tem recebido pouca atenção, o Protocolo de Cartagena poderá se tornar um instrumento poderoso para quem pretender criar dificuldades para a exportação brasileira de produtos transgênicos, especialmente aqueles do setor agrícola.

Especificamente para a garantia da biossegurança dos transgênicos no território brasileiro e da conservação e do uso sustentável da nossa diversidade biológica, o texto do Protocolo é totalmente dispensável. Desde 1995 a legislação brasileira aplicável aos transgênicos exige que, para a aprovação de qualquer transgênico destinado à liberação no meio ambiente ou uso alimentar humano ou animal, importado ou desenvolvido no âmbito doméstico, seja encaminhado pedido prévio à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, que avaliará a biossegurança do transgênico.

A CTNBio, até o momento, já avaliou mais de duas dezenas de eventos de transformação genética destinados ao uso comercial na agricultura e não identificou um sequer que possa ter efeitos adversos para a conservação e uso sustentável da diversidade biológica ou que ofereça riscos para a saúde humana. Apenas no caso do algodão transgênico a CTNBio determina que ele não seja plantado nas áreas que tem incidência de algodoeiros silvestres, já devidamente identificadas.

Para o Brasil ou qualquer grande produtor de grãos, o maior potencial do Protocolo de Cartagena é servir de instrumento para proporcionar a criação de emaranhados burocráticos dispendiosos e o estabelecimento de barreiras comerciais a seus produtos. Sintomático é o fato de que Estados Unidos da América, Argentina, Canadá e Austrália não são partes do Protocolo. Além disso, cabe observar que no período de elaboração do Tratado, de 1996 a 1999, existia uma campanha muito forte contra os transgênicos que disseminava argumentos falaciosos que foram devidamente refutados. Seguramente a construção das regras do Protocolo incorporou esses excessos que até hoje são defendidos por segmentos ambientalistas pouco esclarecidos e Estados que tem interesses comerciais não confessáveis, para os quais uma liberdade maior para o comércio dos transgênicos seria economicamente danosa.

Não bastasse a participação brasileira nesse Tratado, que do ponto de vista técnico nada tem a acrescentar à biossegurança praticada no Brasil e do ponto de vista comercial tem apenas potencial para prejudicar, o Governo brasileiro acaba de apoiar o estabelecimento de um Protocolo Suplementar sobre Responsabilidade e Compensação, que deverá ser aplicado quando ocorrer danos à preservação e ao uso sustentável da diversidade biológica, também levando em consideração os riscos à saúde humana, decorrente do movimento transfronteiriço de transgênicos. Em outubro de 2010, em reunião realizada em Nagoya no Japão, foi concluída e aprovada a redação do documento que ficará aberta para assinatura das Partes na sede das Nações Unidas em Nova Iorque, de 7 de março de 2011 a 6 de março de 2012.

Também no que diz respeito às regras de responsabilidade e compensação, o que é previsto no Protocolo Suplementar nada de interessante acrescentará ao que já é previsto na legislação brasileira aplicável ao tema. Além disso, a previsão de poder ser exigido que o responsável pelo movimento transfronteiriço de transgênicos tenha um seguro para cobrir possíveis danos decorrentes da operação, poderá onerar sobremaneira os exportadores que seguramente repassarão esse custo aos produtores.

A Constituição Federal estabelece como regra ser competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. Esse Protocolo Suplementar, pelo fato de ampliar significativamente o conteúdo do Protocolo de Cartagena, não está dispensado da aprovação parlamentar. Não se trata de simples Ato Executivo simplificado ou de "diplomacia ordinária", como prevê a doutrina, e deverá sim ser aprovado pelo Congresso Nacional. Nessa oportunidade, poder-se-á debater com a profundidade necessária não só a aprovação do Tratado Suplementar, mas também a permanência do Brasil como Parte do Protocolo de Cartagena.

Reginaldo Minaré

Advogado e Diretor Jurídico da ANBio

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.