CI

Os desafios do agronegócio brasileiro


ANDRE MARQUES VALIO
Desde os tempos do descobrimento uma frase célebre da Carta de Pero Vaz de Caminha ecoa entre os brasileiros: “Nesta terra, em se plantando tudo dá”. Com a mesma idéia, cunha-se a expressão: “o Brasil será o celeiro do Mundo”.
Se considerarmos que temos 22% das terras agricultáveis e 13% da água doce disponível no planta, temos tudo para transformar o que hoje soa como ufanismo em realidade.
Principalmente no período do Milagre Econômico na década de setenta, a agricultura brasileira ganhou pujança.
Até a década de sessenta, a pauta de exportações agrícolas brasileiras estava limitada quase que exclusivamente ao café e ao açúcar. Outras culturas mostraram importância, como o cacau e o látex de seringueira, mas por desatenção técnica, política e econômica perdemos competitividade e fomos superados por outros países produtores que apresentaram maior organização e coordenação em suas cadeias produtivas.

Hoje o nosso país é líder mundial em volume e em competitividade em custos considerando-se diversos produtos de origem agrícola e pecuária. E isto se deu pelos grandes avanços na tecnologia de produção, no melhoramento genético dos materiais biológicos mais adaptados às condições de ambiente de produção e, principalmente, pela coordenação setorial promovida pelos próprios agentes das cadeias produtivas.
Se no passado tínhamos o Instituto Brasileiro do Café (IBC) e o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) que coordenavam e organizavam a produção de café e os produtos oriundos da cana-de-açúcar, respectivamente, no presente observamos uma coordenação de cunho privado, tais como nos complexos agroindustriais da soja, dos citros, das carnes e da indústria da celulose e papel.
O Estado Brasileiro continua presente, porém limitado às linhas de financiamento de projetos de investimento e também ao custeio.
O fim do mundo socialista (alemão e soviético), a abertura do mercado chinês às “commodities” agrícolas e minerais e a gradativa redução dos subsídios europeus à agricultura por conta da revisão de suas políticas de segurança alimentar, permitiram ao Brasil a chance de ouro de transformar em realidade as velhas teorias de que nosso país seria a maior potência mundial do agronegócio.
O setor privado fez a sua parte, ainda que grande parte dos investimentos tenham sido provenientes de capital estrangeiro visto que as taxas internas de poupança historicamente são baixas. O Estado Brasileiro não deu as contrapartidas que se esperavam, pois o planejamento estratégico governamental se mostrou falho, limitando-se ao BNDES, seu braço de fomento aos investimentos, provendo recursos à maioria dos empreendimentos.
Se tivermos a demanda interna atendida por alimentos, biocombustíveis e por outros ítens provenientes da terra (incluindo-se aqui a aquicultura e a pesca), o foco nas exportações é mandatório, pois está mais do que óbvio que o Brasil precisa do agronegócio para ser superavitário em sua Balança Comercial e por conseqüência em seu Balanço de Pagamentos.
Até o momento ouvimos muito em discurso e pouco em ações. Precisamos desonerar todos os ítens de tributos incidentes às exportações, sejam eles em cascata ou não, para ganhar competitividade.
A infra-estrutura para o escoamento da produção é extremamente subdimensionada para a nossa produção, gerando sérios gargalos logísticos que oneram sobremaneira os custos.
No início dos anos noventa, nossa malha ferroviária estava totalmente sucateada, nossos portos em colapso, a hidrovia existia somente como vaga lembrança nos livros de história e geografia, enquanto oportunidades surgiam no mercado internacional.
As obras para viabilização das hidrovias estão em ritmo lento por conta de temas ambientais que se sobrepõem à utilidade pública.
As concessões das rodovias à iniciativa privada permitiram mais agilidade na movimentação das cargas e menores custos com manutenção das frotas e das próprias estradas, mas por outro lado gerou uma pesada conta com tarifas de pedágio aos embarcadores.
Já as concessões das ferrovias, que apresentavam total precariedade e abandono, fizeram com que as novas concessionárias começassem praticamente do zero seus projetos e, até hoje, a malha nos deixa envergonhados se tentamos compará-la a qualquer outro país que tenha dimensões territoriais similares a nossa.

Os portos nos apresentam outra situação vexatória. Os custos de movimentação de cargas estão entre os mais elevados do mundo e os sindicatos operam como máfias legalizadas de forma indiscriminada.
Outro grande entrave para a agricultura de exportação é o câmbio. Os investimentos na produção de “commodities” agrícolas são de longo prazo de maturação e altamente intensivos em capital. Elevam-se em demasia os riscos de não-retorno aos investimentos se não existe estabilidade cambial e institucional no país.
Observamos nos últimos doze anos uma banda de variação cambial entre o real e o dólar estadunidense atingindo como piso R$ 1.55 por dólar e como teto R$ 3.92 (um delta superior a 250%), sendo que os principais custos se dão exclusivamente em reais e as margens de contribuição dificilmente superam 12%.
A segurança jurídica é algo que se tem colocado em xeque invariavelmente. Invasões de terras por movimentos sociais exclusivamente por motivação político-eleitoral e as invasões executadas por povos indígenas forjadas por interesses puramente econômicos, mas travestidas de motivações antropológicas, desestimulam os investimentos na produção e mantém regiões com alto potencial produtivo às margens do desenvolvimento econômico.
A Legislação Ambiental Brasileira, reconhecida internacionalmente como uma das mais avançadas da atualidade, não é aplicada de forma justa e imparcial pelos órgãos fiscalizadores, gerando um descrédito enorme do serviço público perante a iniciativa privada. Embora seja muito difícil de documentar, quem vive a produção certamente já presenciou a postura oportunística de alguns agentes de fiscalização ambiental que transformam a legislação vigente em uma rentável indústria de autuações, onde o objetivo final não é a preservação do meio ambiente mas sim o enriquecimento ilícito a partir de propinas e outros mecanismos de corrupção. Neste mercado negro, vale a cartilha do “gerar dificuldades para vender facilidades”.
Dentre os inúmeros entraves ao desenvolvimento do agronegóci brasileiro, não poderíamos deixar de comentar a morosidade das instituições públicas. É muito comum que os recursos para custeio de safra cheguem às mãos do produtor depois que a produção já foi colhida e comercializada. Nisto o produtor se obrigou a captar recursos por fontes alternativas mais onerosas, tais como linhas de crédito-ponte, que consumiram a quase totalidade de sua rentabilidade.
Projetos de construção de novas plantas agroindústrias completas levam anos para serem apreciadas e aprovadas, gerando em alguns casos obsolescência de alguns componentes de fábrica previamente encomendados, antes mesmo de começarem a operar.
Mesmo com todas dificuldades listadas aqui (e muitas outras não abordadas mas não menos importantes), temos claro que os desafios são enormes. O momento é favorável à discussão, inclusive na elaboração de planos de governo dos diferentes candidatos onde se faz auspicioso firmar compromissos de campanha com garantias de que o agronegócio não seja deixado em segundo plano, tanto nas esferas federal como estaduais.
Reiteramos nosso otimismo quanto ao sucesso do agronegócio brasileiro. Basta que tenhamos um pouco mais de vontade política para tal.

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.