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Os agrotóxicos e a conversa fiada


Leonardo Melgarejo
Por Leonardo Melgarejo
Em 15 de setembro, a página dois do Correio do Povo publicou artigo surpreendente, que merece comentários e justifica um debate público. Neste sentido, consternados com o grau de desinformação e o nível de ingenuidade ali expressos, em respeito e atenção aos direitos dos consumidores, convidamos o presidente da Aprosoja para uma discussão pública sobre o tema dos agrotóxicos, venenos que não podem ser tratados pelo eufemismo “defensivos agrícolas”, o que, por certo, não são em sua essência biocida. Basicamente, afirmamos - e podemos provar - que os agrotóxicos estão ameaçando a saúde da população, a segurança alimentar e a soberania nacional. Também podemos demonstrar que isto ocorre graças ao modelo de desenvolvimento proposto pelo agronegócio e defendido pelos interesses a eles associados, que são responsáveis pelo fato de os venenos agrícolas estarem presentes na água que bebemos, nos alimentos que consumimos e no leite materno oferecido aos nossos bebês. Trata-se de algo tão grave, que a probabilidade de abortos e nascimentos de crianças defeituosas já é maior nas áreas rurais dominadas pelo agronegócio do que em cidades altamente poluídas por resíduos industriais, como Cubatão. O argumento de que os estudos científicos garantem níveis toleráveis de resíduos nos alimentos é tão enganador quanto perigoso, na medida que ignora o fato das análises isoladas desprezarem  que, nos organismos consumidores, os diversos venenos, presentes nos diferentes alimentos, se somam e interagem implicando em sinergias que não são avaliadas nos estudos prévios. Além disso, os indivíduos são diferentes. As fragilidades e susceptibilidades são distintas em famílias com diferentes histórico de câncer, de debilidade hepática, nefrológica, neurológica, etc. E ademais, os agroquímicos agem como disruptores endócrinos ativando, antecipando, alterando rotas metabólicas com efeitos de longo prazo, tanto mais relevantes quanto mais jovens forem os organismos afetados. Enfim, o verdadeiro experimento está ocorrendo no mundo real. Nossos filhos são  as cobaias. E pouco sabemos sobre o que está acontecendo pois apenas um caso de intoxicação, em cada 50 eventos ocorridos, é percebido pelo sistema de saúde. Para completar, os impactos difusos e de longo prazo não são detectados nas avaliações de risco que, mesmo dentro de suas limitações, merecem desconfiança.  Considerem o exemplo do vinho: um copo pequeno por refeição, dois copos por dia, podem inclusive merecer recomendação médica por fazer bem para a saúde de quem não tem problemas no fígado. Mas uma recomendação de até cem copos ao dia, embora útil para a indústria vinícola, seria aceitável?  Pois bem, os estudos “rigorosíssimos” do tipo mencionado pelo autor daquele texto que estamos criticando, para viabilizar a comercialização da soja transgênica no Brasil, autorizaram o aumento do teor de resíduo “aceitável”, de glifosato, nos grãos de soja, de 0,2 ppm para 10 ppm. A multiplicação por 50, do resíduo tolerável, como no exemplo do vinho, contribuiu enormemente para a indústria de venenos agrícolas, sendo uma das razões para que sejamos, hoje, o maior consumidor mundial de agrotóxicos. Apenas no Brasil são despejados, a cada ano, mais de 190 milhões de litros daquele veneno, que é apontado como cancerígeno pelo Instituto Nacional do Câncer. Os outros argumentos daquele autor também incorporam vício de origem, relacionado a interesses  e miopia de curto prazo, onde os resultados econômicos de cada safra assumem prioridade sobre a saúde da população e do ambiente, no presente e no futuro. Não serão discutidos aqui, em função do espaço e na confiança de que o desafio para o debate será aceito, outros pontos que merecem refutação imediata, de modo a esclarecermos todos os aspectos falaciosos daquela mitologia, que, rigorosamente, não passa de conversa fiada.
*Réplica ao artigo do presidente da Aprosoja, Marcos da Rosa:
http://www.agrolink.com.br/colunistas/defensivos-agricolas--uma-explicacao-necessaria_7323.html
Leonardo Melgarejo - presidente da Agapan

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