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Sombreamento de Pastagens em Sistemas Integrados de Produção



Newton de Lucena Costa
Sombreamento de Pastagens em Sistemas Integrados de Produção
 
Newton de Lucena Costa - Embrapa Roraima 
 
Na região amazônica, a utilização de sistemas alternativos de produção que considerem as peculiaridades dos recursos naturais da região e que sejam técnica e economicamente viáveis, devem ser concebidos e testados de modo a tornar a atividade agropecuária mais produtiva, sustentável e menos danosa ecologicamente. Os sistemas silvipastoris, uma modalidade componente dos sistemas agroflorestais, surge como opção para conter os impactos ecológicos decorrentes da derrubada de florestas para a formação de pastagens. Dentre as diferentes modalidades dos Sistemas Integrados de Produção, os sistemas silvipastoris (SS) são sistemas agropecuários diversificados e multiestratificados, nos quais as pastagens são estabelecidas associadas com culturas florestais, frutíferas ou plantas industriais. 
 
O efeito do sombreamento sobre a produtividade e persistência de gramíneas e leguminosas forrageiras é, basicamente, devido a dois fatores: radiação solar recebida e duração do dia. Estes afetam diretamente o crescimento da parte aérea e, especialmente das raízes, havendo decréscimo de ambas quando os níveis de sombreamento são incrementados, isto como conseqüência da redução da capacidade fotossintética, nodulação e absorção de nutrientes. Quando não existem mais fatores limitantes, a produção de forragem refletirá a variação da quantidade de radiação solar recebida, sempre e quando as plantas possam suportar a demanda da evaporação imposta por este regime de radiação (Costa et al., 1999a,b; 2000a,b).

Na Austrália, o rendimento de forragem de Macroptilium atropurpureum cv. Siratro foi marcadamente reduzido pelo sombreamento, contudo, mesmo assim foi a leguminosa mais produtiva em comparação com as outras avaliadas (Desmodium intortum, D. canum e Centrosema pubescens). O crescimento da parte aérea de Leucaena leucocephala foi pouco afetado pela sombra, enquanto que as plantas de Stylosanthes humilis morreram quando submetidas a um elevado índice de sombreamento (80 %). Na região dos cerrados, observou-se um excelente desempenho agronômico de Andropogon gayanus, em termos de produção de forragem e persistência, notadamente quando estabelecido em associação com Pinus oocarpa. Diferenças significativas na produção de matéria seca e cobertura do solo de Pueraria phaseoloides, Cajanus cajan Calopogonium mucunoides, não foram observadas, independentemente do plantio das leguminosas em consorciação com Eucaliptus grandis ou em cultivo estreme.

Na Malásia, avaliando-se o desempenho agronômico de diversas leguminosas forrageiras tropicais, em diferentes níveis de sombreamento, concluíram que as espécies mais promissoras foram P. phaseoloides, Desmodium ovalifolium, D. heterophylum, C. pubescens, Stylosanthes guianensis, Calopogonium mucunoides C. ceareleum. Um excelente comportamento produtivo foi observado para D. ovalifolium, C. macrocarpum, C. brasilianum Galactia striata quando submetidas a sombreamento por pinheiros. Na India, para sistemas silvipastoris com coqueiros, o capim-elefante (Pennisetum purpureum cvs. Napier, BH-8 e NB-21) foi a gramínea mais produtiva, fornecendo rendimentos de forragem superiores a 14 t/ha/corte. Em geral, as gramíneas associadas a coqueirais fornecem cerca de 75 % da produção obtida sob cultivo estreme. No Sri Lanka, para formação de pastagens em associação com sringal adulto, as gramíneas mais promissoras foram Panicum maximum cv. Guinea, Paspalum plicatulumBrachiaria brizantha e B. decumbens. Na Austrália, avaliando-se o desempenho de oito gramíneas forrageiras cultivadas sob cinco níveis de sombreamento (0, 30, 50, 60 e 80%), não se detectaram efeitos significativos sobre os teores de nitrogênio, fósforo e potássio, independentemente da época de avaliação (2 ou 6 meses após o estabelecimento), obtendo-se uma correlação positiva e significativa entre área foliar e níveis de sombreamento. No entanto, os teores de proteína bruta de 12 gramíneas forrageiras tropicais decresceram, à medida que os níveis de sombreamento foram incrementados (0, 40, 64 e 82 %). Para Panicum maximum var. trichoglume, o rendimento de forragem e a concentração de nitrogênio foram incrementadas em 52 e 18 %, respectivamente, sob sombreamento com Prosopis glandulosa, em comparação com o cultivo a céu aberto. Ademais, os coeficientes de digestibilidade da matéria seca não foram afetados pelo sombreamento. Já, os rendimentos de matéria seca aérea e das raízes bem como os carbohidratos de reserva deCynodon dactylon foram significativamente reduzidos pela disponibilidade de luz (28,8; 42,8; 64,3 e 100%), ocorrendo o inverso com relação aos teores de lignina. No Paraná, Schreiner (1987) avaliou o comportamento e a produção das gramíneas braquiária (Brachiaria decumbensStapf. Prain), pangola (Digitaria decumbens Stent), capim-limpo (Hemarthria altissima (Poir.) Stapf & Hubbard) e pensacola (Paspalum notatum Flügge var. Saurae), submetidas a quatro graus de sombreamento (0, 25, 50 e 80%). Todas as gramíneas testadas podem ser consideradas como moderadamente tolerantes ao sombreamento. Na média das quatro gramíneas, os sombreamentos de 25%, 50% e 80% causaram decréscimos de 5, 41 e 78% na produção de MS, comparativamente à testemunha. Com o sombreamento de 50%, a produção de braquiária, no primeiro ano, foi sensivelmente maior que as das demais gramíneas; no segundo ano, as melhores produções couberam ao capim limpo e ao pangola; no terceiro ano, em que se registrou um rigoroso inverno, destacou-se, nitidamente, o capim-limpo. No Acre, Andrade et al. (2004) avaliando o efeito de níveis de sombreamento artificial (0%, 30%, 50% e 70%) nas taxas de acúmulo de matéria seca de quatro gramíneas (B.brizantha cv. Marandu, B. humidicola cv. Quicuio-da-amazônia,Panicum maximum cv. Massai e Paspalum notatum cv. Pensacola) e três leguminosas forrageiras (Arachis pintoi cv. Belmonte, A. pintoi BRA-031143 e Pueraria phaseoloides), verificaram que B. brizanha cv. Marandu e P. maximum cv. Massai apresentaram o melhor desempenho entre as gramíneas, conciliando boa tolerância ao sombreamento e alta capacidade produtiva, constituindo opções importantes na composição de SS em áreas com solos bem drenados. A gramínea menos tolerante foi B. humidicola, podendo ser utilizada em SS com baixa densidade arbórea, em áreas com chuvas bem distribuídas ou com solos mal drenados. O capim-pensacola demonstoru alta tolerância ao sombreamento, mas baixa capacidade produtiva, não sendo recomendado para a região. O A. pintoi cv. Belmonte demonstrou maior capacidade produtiva e tolerância ao sombreamento que as demais leguminosas. Em Minas Gerais, Carvalho et al. (2002) avaliando seis gramíneas forrageiras tropicais (B. brizantha cv. Marandu, Panicum maximum cvs. Aruana, Makueni, Mombaça e Tanzânia e Cynodon dactylon cv. Tifton 68), sombreadas por árvores de angico-vermelho (Anadenanthera macrocarpa), constataram redução na produtividade de MS foi reduzida pelo sombreamento, exceto no corte 3, no qual o crescimento nas áreas com e sem sombra não diferiu significativamente. O Tifton 68 não tolerou as condições de sombreamento, e as outras espécies tiveram tolerância moderada.
O efeito da intensidade luminosa sobre a composição química da forragem não está plenamente esclarecido, sendo as alterações mais consistentes referentes ao aumento na concentração de N nas folhas e a redução nos teores de carboidratos totais não-estruturais. Os efeitos sobre a digestibilidade, conteúdo da parede celular e consumo são variáveis (Franke e Furtado, 2001; Carvalho, 1997). O aumento nos teores de N na parte aérea de forrageiras sombreadas, observado em diversos trabalhos de pesquisa, significa maiores teores de proteína bruta na forragem (Schreiner, 1987; Veiga e Serrão, 1997; Carvalho et al., 2002) e pode ser considerado como um dos fatores responsáveis pela melhoria da qualidade da pastagem, o que favorece a produção animal. O efeito do sombreamento na digestibilidade in vitro pode ser positivo, negativo ou nulo, dependendo do balanço das alterações nos demais componentes dos tecidos vegetais (Samarakoon et al., 1990), logo, não é possível generalizar nem prever a extensão em que a digestibilidade de uma determinada espécie será alterada quando cultivada à sombra. Em uma pastagem nativa, Belsky (1992), avaliando os efeitos da sombra sobre os constituintes da parede celular, observou que as concentrações de fibra em detergente neutro (FDN), fibra em detergente ácido (FDA) e celulose na forragem diminuíram sob a sombra de árvores, comparativamente à área sem sombra, ocorendo o inverso quanto aos teores de lignina. Para Brachiaria humidicola, estabelecida em monocultivo ou em um SS com Acacia mangium, não se detectou efeito significativo entre sistemas para os teores de FDA, celulose e lignina, contudo, as concentrações de FDN e hemicelulose foram significativamente menores na área com sombra (Vergara e Ibrahim, 2004). O sombreamento pode reduzir a proporção do tecido mais digerido da folha (mesófilo) e pode aumentar a proporção do tecido menos digerido (epiderme), enquanto que os teores de potássio, magnésio, enxofre, cobre e zinco em gramíneas e leguminosas tropicais são incrementados com a redução da luminosidade, como consequência de um efeito de concentração de nutrientes, em virtude da baixa produtividdae de forragem, sob condições de forte sombreamento (Garcia e Couto, 1997).

Em pastagens consorciadas de gramíneas e leguminosas, a capacidade de ambas para melhorar seus acessos a radiação solar pode ser mais importante que suas capacidades de tolerarem o sombreamento. Em conseqüência, as plantas altas possuem certa vantagem sobre as rasteiras ou prostradas (Costa et al., 2002, 2003, 2004). A teoria de que as leguminosas C3 teriam vantagens sobre as gramíneas C4, em condições de sombreamento deve ser revisada, uma vez que ha evidencias de que algumas gramíneas absorvem mais nitrogênio e produzem mais matéria seca quando sombreadas. A capacidade fotossintética das folhas das gramíneas aumenta com o incremento do nível de irradiação ao passo que as leguminosas se tornam ligeiramente saturadas ao redor de 50 % de luz solar direta, o que traz reflexos negativos na taxa de fixação de nitrogênio. Gramíneas do tipo C3 forneceram maiores rendimentos de forragem, comparativamente a M. atropurpureum cv. Siratro, em condições de sombreamento, notadamente com cortes mais freqüentes. A duração do dia pode afetar o rendimento de forragem ao reduzir o crescimento vegetativo, estimulando o florescimento. Em estudos controlados, o rendimento de M. atropurpureum e, particularmente, o de Desmodium intortum, diminuíram com uma duração do dia de 11 horas em comparação com o de 14 horas. Quando se cultivam espécies anuais em dias cuja duração acelera a floração, as reduções no rendimento de forragem podem ser consideráveis, como no caso já clássico de Stylosanthes humilis. Observaram-se maiores produções de forragem, de raízes, rizomas e de folhas de Cenchrus ciliaris, à medida que o comprimento do dia aumentou de 9,48 para 11,26 ou 14,03 horas. Contudo, nestes regimes de radiação não foi observado florescimento das plantas. 

A produção de forragem em sistemas integrados de produção pode ser viável, técnica e economicamente, desde que sejam selecionadas gramíneas e leguminosas forrageiras tolerantes ao sombreamento. No entanto, a adoção de práticas de manejo que envolva a utilização de germoplasma com baixos requerimentos em nutrientes e com alta capacidade competitiva com as plantas invasoras, além de sistemas e pressões de pastejo compatíveis com a manutenção do equilíbrio do ecossistema, podem ser consideradas como a chave para assegurar a produtividade das pastagens estabelecidas em sistemas silvipastoris, por longos períodos de tempo


Referências Bibliográficas
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