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Mais biotecnologia por menos petróleo


Decio Luiz Gazzoni

Será possível produzir óleos vegetais que substituam o petróleo como combustível, nos usos industriais, ou na farmacologia? Cientistas americanos estão buscando na biotecnologia as respostas para esta pergunta. Um dos grupos que estudam o assunto pertence ao Departamento de Agricultura norte americano. Quem lidera as pesquisas são o químico John Dyer e o geneticista vegetal Jay Shockey. O primeiro desafio sobre o qual se debruçaram foi entender por que determinadas plantas, como um arbusto chamado tungue, produzem óleos que não são encontrados em outras espécies vegetais. Decifrar este mistério, escondido no código genético, permitirá que se introduzam em outras plantas a capacidade de produzir os tipos de óleo que a sociedade necessitar.

As plantas oleaginosas (ricas em óleos) estão entre as principais commodities agrícolas negociadas no comércio internacional. Em 2006, mais de 400 milhões de toneladas de oleaginosas foram produzidas no mundo. A maioria dos óleos — extraídos da soja, algodão, amendoim ou dendê — são produzidos para fins
nutricionais. Nessa área, as plantas poderiam ser alteradas para possuir teor aumentado de ácidos graxos importantes para a saúde humana, como o ômega 3, presente nos peixes: bons para o coração, o cérebro e os olhos. O trabalho de Dyer e Shockey pode permitir, por exemplo, que a sociedade disponha deste benefício.

Mas é preciso lembrar que a indústria química atual é baseada no petróleo, produto que hoje está associado a impactos ambientais, preços em ascensão e esgotamento das reservas. Logo, há um grande potencial para os óleos vegetais, que são quimicamente semelhantes ao petróleo cru, tornarem-se matéria-prima para tintas, revestimentos, plásticos, fármacos ou combustíveis. Alguns óleos importantes do ponto de vista industrial são produzidos em pequenas quantidades pelas plantas. Em outros casos, as plantas que os produzem são de cultivo muito difícil e de baixa produtividade.

Tomemos o caso da planta de tungue, que produz o ácido eleosteárico, um tipo de óleo muito raro. Este ácido possui propriedades industriais interessantes, em especial na aceleração da secagem de tintas a óleo. O ácido confere à pintura características desejáveis de durabilidade e resistência à umidade, tanto em superfícies de madeira quanto em plásticos. Se fossem usados óleos comuns para esta finalidade, a tinta não seria absorvida pela madeira, nem secaria a contento, resultando em uma pintura de baixa qualidade. Mas é muito difícil produzir tungue, um arbusto sobre o qual pouco se conhece. A saída, então, pode ser produzir o mesmo ácido em plantas que os agrônomos conhecem bem e que os agricultores estão acostumados a cultivar, mas que hoje não são capazes de gerar esse óleo.

Para atingir este objetivo, os cientistas introduziram os genes que determinam a produção do ácido eleosteárico na planta-modelo Arabidopsis, que pertence à família da mostarda. Agora eles estudam os caminhos bioquímicos que fazem com que a planta fabrique este óleo. O que Dyer e Shockey já sabem é que os genes são responsáveis por ordenar à planta que produza determinadas enzimas, que por sua vez fazem funcionar o mecanismo de produção e estocagem de óleo nas células. Uma vez entendidos os pormenores do mecanismo, será fácil não apenas produzir o ácido eleosteárico em plantas de fácil cultivo – como a soja – bem como usar a mesma técnica para aumentar a produção de outros óleos, igualmente demandados pela sociedade, e que sejam de difícil produção.

A pesquisa já deu passos largos, especialmente com a identificação da provável família de enzimas responsável pelo elevado teor de ácido eleosteárico nas sementes de tungue. Agora, os pesquisadores precisam identificar exatamente o que faz cada enzima da família, para associá-las com o tipo de ácido graxo que se pretende produzir. Depois de entender a atividade da enzima, será necessário identificar o gene que a produz. A partir daí, os cientistas poderão transferir os genes para outras plantas, de fácil cultivo, que atuarão como verdadeiras usinas para produzir os ácidos graxos que a sociedade demandar. Além disso, os cientistas podem aumentar a quantidade de óleo que uma planta produz.

Se este caminho for trilhado até o final, os cientistas terão descoberto uma fórmula para tornar o século XXI progressivamente independente do petróleo e de seus impactos ambientais e toxicológicos negativos. Este é o rumo para uma nova economia, baseada em produtos naturais e renováveis. Enfim, uma economia firmada em bioprodutos ao invés de insumos petroquímicos.

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