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Importância da Qualidade


ANDRE MARQUES VALIO
Estávamos em um ano muito difícil na usina em que eu trabalhava. Os bancos haviam cortado todas as nossas linhas de crédito e o preço que o mercado pagava pelo litro do etanol era de R$0,16 contra um custo de produção de R$0,30.
A companhia teve que fazer downsizing e negociar com os gestores o parcelamento dos salários daqueles que ganhavam mais, criando-se um teto de remuneração para sobreviver à crise.
E nós precisávamos aumentar nossas receitas. Eu já sabia que as nossas perdas no processo de colheita eram altas para os padrões da época (média de 4%) e que poderíamos baixá-la em aproximadamente 25%. Naquela época, a usina moía 1,5 milhões de toneladas de cana e se a redução nas perdas fosse conseguida, teríamos mais 15 mil t disponíveis (nos valores de hoje representaria mais R$ 1 milhão no caixa na venda de etanol ou açúcar).

Em uma reunião com a Diretoria e o Corpo Técnico, eu me propus a liderar um estudo para implantar a redução das perdas baseado na operação de “catação de cana”, já que na época todas a nossa colheita era feita sem a utilização de máquinas colhedoras.
Fui autorizado a conduzir os trabalhos que havia proposto e passei a acompanhar todo o processo, sempre observando os detalhes para garantir a máxima eficiência. Eu pessoalmente comecei a treinar os operadores das carregadoras de cana e os trabalhadores rurais, conscientizando-os da importância do trabalho de cada um de nós para a sobrevivência da empresa e, por conseqüência, da garantia dos nossos empregos.
O resultado desta abordagem face-a-face com o “chão-de-lavoura” gerou um excelente resultado operacional, pois as pessoas se sentiram valorizadas, pois um “Doutor” estava tratando diretamente com eles e vivenciando seu dia-a-dia (grande parte dos gestores agrícolas têm o péssimo hábito de ficar apenas no ar condicionado do carro e olhar as operações apenas pela janela gerando uma perda vital para a sua gestão que é oportunidade de interagir com cada um da equipe e aprender com cada um deles).
Após quase 30 dias de árduo trabalho de campo, conseguimos reduzir as perdas em 35%, o que representou uma significativa superação das expectativas. Fiquei muitíssimo animado e levei os resultados para a discussão no comitê técnico.
Ao apresentar os resultados, percebi claramente a expressão de felicidade no Diretor Técnico, mas recebi um importante questionamento por parte do Gerente Industrial: “Estamos aumentando a nossa disponibilidade de matéria-prima entre 15 e 20 mil toneladas, mas a qualidade deste excedente é a mesma da cana convencional?”.

Para quem não sabe, a cana é altamente perecível, pois a partir de 12 horas após ser cortada ela começa um processo de rápida deterioração que culmina com a sua perda de viabilidade para a fabricação de açúcar ou etanol entre 48 e 72 horas, dependendo da época do ano. Mas no caso da “cana de catação”, o tempo entre queima e processamento tende a ser muito elevado, sendo muito pouco provável que se consiga menos de 48 horas (e não seria incomum observar canas com 150 horas).
Quando discorri sobre a qualidade em resposta ao Gerente Industrial, ouvi como tréplica uma das frases que sintetizaram melhor para mim o conceito de qualidade: “Suponha que você tem um pote com 1kg de mel e que, você adiciona neste mel uma colher de café com merda. Você comeria este mel?”
Ao ouvir este discurso destruidor, percebi que ainda tinha muito a aprender e me senti fortalecido como profissional, pois não desisti.

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