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Estudo de Caso: Porvinha


ANDRE MARQUES VALIO
Eu havia assumido a posição de Diretor de Matéria-Prima em uma empresa que operava justamente no conceito de “cluster” (tema do artigo publicado ontem 26/03 no meu Blog: “A Logística em “cluster””), tendo 4 unidades para serem abastecidas com cana. O organograma ainda era descentralizado, onde cada planta tinha a sua própria administração agrícola e apresentava uma dificuldade muito grande de coordenação.
Decidi então contratar um gerente corporativo de planejamento agrícola com o objetivo de coordenar as ações das estruturas operativas de cada uma das plantas de forma a aproveitar as sinergias advindas da intersecção dos raios entre as plantas.
Solicitei a minha consultora interna de Recrutamento e Seleção que fizesse uma captação de currículos no mercado e o resultado foi desanimador. Pouquíssimos profissionais haviam vivenciado uma operação similar a nossa e, alguns apresentavam perfil extremamente acadêmico e outros eram operacionais sem um mínimo de teoria seja logística ou agronômica.

Conseguimos agendar entrevista para 3 candidatos com 3 perfis totalmente diferentes.
O primeiro era um Engenheiro Agrômomo com 25 anos de experiência no setor sucroenergético e que já estava trabalhando com planejamento nos últimos 3 anos. Tinha como ponto forte a fitotecnia. Demonstrou na entrevista que, embora com muitos anos de janela, não dominava perfeitamente as ferramentas modernas de gestão aplicadas ao planejamento, tais como Sistemas de Informação Geográficas (GIS), algorítmos de otimização, telemetria e sensoriamento remoto.
A segunda candidata era Engenheira Agrícola, com forte vocação para a mecanização e com 11 anos de experiência e os últimos 5 como Gerente de Planejamento. Tinha, entre os 3 candidatos, o melhor domínio sobre o conteúdo técnico exigido para a função. Seria a minha escolhida se não fosse pelo fato de ter apresentado dificuldades de relacionamento com o pessoal operacional nas empresas pelas quais ela passou e, como é notório nas usinas, a integração entre planejamento e operações exige muita empatia, simpatia e bom senso.
A terceira candidata, uma Engenheira Agrônoma chamada Maria da Pólvora, vulgo Porvinha, um apelido delicado aludindo ao seu sobrenome em virtude da sua baixa estatura e corpo franzino. Tinha menos experiência que os demais, apresentava base teórica com algumas lacunas e contava consigo 2 pontos positivos: a) alto nível de energia e b) tinha trabalhado como estagiária de um grande profissional do meu rol de amigos e que a recomendou a mim como uma profissional “high potential”.
Não fiquei convencido na entrevista que a Porvinha poderia “dar conta do recado” e resolvi arriscar no inusitado: propús a ela, sem garantias de contratação, um desafio.
Estávamos naquele momento ainda sob o “boom” do crescimento gerado pelo sucesso do carro flex e havia em todas as empresas do setor a ânsia de montar novas plantas nas regiões da fronteira agrícola canavieira da época (MS-MT-GO). Eu analisava naquele dia cerca de 20 pontos potencialmente viáveis para a construção de uma nova unidade. Selecionei aleatoriamente um desses 20 pontos e anotei em um “post it”.
AMV: Porvinha, gostei muito do seu perfil e do seu “background” acadêmico, das suas atitudes na entrevista, mas esta posição é nevrálgica para o sucesso deste negócio. Não tenho a certeza de que você está preparada para isso. Então, se você aceitar, gostaria de te propor um desafio, sem garantia de contratação e com prazo de 10 dias para você voltar aqui e fazer uma nova reunião de avaliação.

Porvinha: Eu aceito o desafio, pois são os desafios que me movem neste mundo.
AMV: Aqui está anotado neste “post it” apenas 2 números. Eles representam as coordenadas de um ponto geográfico de um local que supostamente eu gostaria de montar uma nova usina. Levante para mim, com base em bibliografia, internet, conversa com amigos e colegas, experiências prévias e o que mais quiser, e formule um projeto de implantação de lavoura canavieira para atender a uma moagem de 1 milhão de toneladas de cana  para daqui a 2 anos e 2 milhões para o ano seguinte.
Porvinha: Mas 10 dias é muito pouco tempo para elaborar um trabalho tão complexo. Um trabalho como esse leva pelo menos 60 dias de trabalho de escritório, fora o de campo.
AMV: Não estou contratando uma consultoria, estou querendo testar do que você é capaz de realizar em 10 dias para conseguir uma vaga de gerente de planejamento. Faça o seu melhor e aí falaremos.
Porvinha: Em 10 dias estarei de volta com o melhor que puder.
Sem perder um só segundo, Porvinha começou a acionar todo o seu networking para conseguir a maior quantidade de informações possíveis da região-alvo. Por ser carismática e de trato social muito desenvolvido, Porvinha tinha uma rede de relacionamentos de fazer inveja. Outra habilidade invejável era a sua capacidade de organização, o que facilitou muito o levantamento de informações via internet e nas bibliotecas especializadas em ciências agrárias.
Ela também dominava os recursos informáticos e conseguiu levantar imagens de satélite gratuitamente na internet, dimensionamento e valores de equipamentos, entre outros recursos necessários.
Na data prevista, a Porvinha trouxe 3 mapas plotados em A0, 2 cadernos com espiral e um pen-drive. Solicitou a mim que disponibilizasse uma tela para projeção e um datashow, pois gostaria de apresentar o trabalho de forma profissional.
A apresentação foi impecável, se considerado o prazo dado para a elaboração. E eu tinha para mim mesmo que eu não poderia ter feito melhor!
Ao término, fiquei imaginando como a atitude, a dedicação e a coragem de uma pessoa podem operar milagres. Até hoje, poucas foram as pessoas que me surpreenderam como me surpreendeu essa personagem.
O investimento feito pela Porvinha foi reconhecido e ela passou a fazer parte do nosso time. Foi ela quem deu os primeiros passos na integração do planejamento de matéria-prima das 4 plantas e desenvolveu inúmeras ferramentas de apoio à decisão e de gestão que proporcionaram aos gestores operacionais realizar com mais eficácia as suas operações e também controlar melhor seus recursos, obtendo importantes economias no orçamento.
Aprendi que no processo seletivo pode ser necessário pesar mais o “feeling” do que o arcabouço científico, pois se fosse por este, a Porvinha não teria sido contratada.

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