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Estudo de Caso: MeuNobre


ANDRE MARQUES VALIO
"MeuNobre" era o apelido do Sr. Costa. Era chamado assim porque este era o seu bordão.
Nascido em Pernambuco, começou sua carreira jovem em usina de açúcar, numa época em que ainda reinavam os coronéis. Quando alcançou sua primeira posição de chefia de uma turma de trabalhadores rurais, recebeu como parte do seu kit de ferramentas de trabalho um revólver calibre 38.

MeuNobre: "Dr., meu nobre, mas pra que eu preciso desta arma? (com sotaque típico da região da Zona da Mata Nordestina)".
Coronel: "É para garantir o respeito!"
MeuNobre trabalhou uns 12 anos nas usinas de Pernambuco e Alagoas, sempre muito bem avaliado por seus superiores. Mas quando começou o boom das usinas na região Sudeste a partir de 2003 por conta do sucesso do carro flex e pela aceleração das exportações de etanol brasileiras, ele resolveu tentar a vida em São Paulo.
Embora tenha começado a faculdade de administração de empresas, a vida exaustiva da usina dificultava concluir a graduação.
Eu estava precisando, em meu time de gestores, de um especialista em gestão da mão-de-obra rural, pois tinha um contingente de 1.300 trabalhadores rurais para serem comandados. Foi quando veio a mim um currículo do MeuNobre.
No comando de rurais, os nordestinos demonstram em geral mais habilidade que os formados na região Centro Sul, pois talvez a linguagem facilite a comunicação entre líder e liderados, pois a imensa maioria desta mão-de-obra é proveniente do Nordeste.
Hoje em dia, ninguém mais quer liderar rurais, pois no meio dos 1.300 colaboradores, com certeza seria possível encontrar todo o tipo de gente, por mais bem apurado que fosse o processo de seleção. Eram migrantes, muitos sem família, fugidos das dificuldades da seca, ou de estórias tristes de conflitos de terras, ou de conflitos passionais, tentando apagar o passado de suas mentes. Muitos poderiam ter seus perfis psicológicos comparados àqueles que se alistam na Legião Estrangeira.
Naquela época, começaram a surgir denúncias de que trabalhadores rurais haviam descoberto no crack a possibilidade de aumentar seu rendimento no corte da cana, aumentando sua remuneração por conta de receberem premiação por produtividade e começaram a se viciar nesta droga, exigindo uma ação dura de combate por parte da usina em parceria com a polícia e os demais órgãos oficiais competentes.
Entretanto, eu tinha uma política na companhia que para cargos de supervisão eram aceitos somente profissionais graduados e o MeuNobre tinha apenas o ensino superior incompleto.
Tendo este cenário como pano de fundo, o melhor e mais experiente dos candidatos era o MeuNobre. Então eu o aprovei como novo gestor de mão-de-obra, mesmo não sendo graduado, pelo que na época chamei de "Notório Saber", mas o incentivei a voltar aos estudos e concluir o curso de administração.
De fala mansa, olhar fixo nos olhos e de uma educação e gentileza extrema, MeuNobre ganhava a confiança de todos rapidamente. Em pouco tempo, já conhecia a seus 1.300 funcionários pelo nome, de muitos sabia a história, o nome dos filhos e das esposas. Tinha uma memória excepcional.
Sem nunca ter pronunciado uma palavra de baixo calão, de nunca ter elevado a voz e sempre muito persuasivo com a sua equipe, MeuNobre conseguiu elevar a produtividade média dos trabalhadores de 7.2 toneladas por cortador para 8.7. Reduziu o absenteísmo de 5% para 3% e o número de afastamentos por motivos de saúde. E sua preocupação com segurança ainda fez com que os trabalhadores utilizassem de forma adequada seus equipamentos de proteção (EPI) e o número de acidentes de trabalho caiu pela metade.

MeuNobre ainda possuía uma outra característica rara nos dias atuais. Era de uma fidelidade canina ao seu superior.
Eu estava como Diretor de Operações em uma outra companhia quando surgiu a necessidade de contratar um gestor para uma frente de colheita mecanizada que ninguém queria pelos seguintes motivos:
1) Máquinas em último ano de vida (iriam ser vendidas como sucata ao final da safra);
2) As áreas de cana planejadas para serem cortadas por esta frente eram as de pior colheitabilidade;
3) Os operadores desta frente eram os menos experientes ou os de menor produtividade.
Esta frente foi batizada oficialmente de "Frente de Alta Dificuldade", pois contrapunha com a "Frente de Alta Performance" que tinha todas as 3 premissas acima invertidas. Mas no "chão da agrícola", as 2 frentes foram popularmente batizadas de "Frente de Sacrifício" e "Frente Campeã", respectivamente.
Os anos haviam se passado e eu nunca me esqueço de meus fiéis escudeiros e aliados. Pensei que para gerir esta frente tinha que ser alguém que fosse um herói. E o primeiro nome que veio em minha mente era "MeuNobre".
MeuNobre: Mas meu nobre dr., meu negócio é mão-de-obra de cortador de cana, sou bom na "gestão do facão". Eu não sou especialista em colheita mecanizada. O dr. está pedindo alguém que conhece de mecânica e eu não conheço profundamente o assunto.
AMV: MeuNobre, quantas pessoas neste mundo já lideraram um exército de 1.300 pessoas de forma tão brilhante quanto você? Eu confio em você e tenho certeza do seu potencial. Você é o "CARA".
MeuNobre: Mas o meu nobre dr. está me dando as piores máquinas, as piores áreas e os operadores mais inexperientes. Como poderei vencer?
AMV: São nas adversidades que surgem os grandes heróis. E você, para mim é o grande herói desta história! Vá em frente e mostre que eu não estou errado em considerá-lo o melhor capitão do meu exército.
Neste mesmo dia fechamos a contratação do MeuNobre. No dia seguinte, às 5 da manhã, MeuNobre estava na oficina automotiva para fazer um diagnóstico do andamento da manutenção de entressafra de suas máquinas. Na seqüência, ele pegou a lista de nomes de sua equipe (eram 40 pessoas), chamou a todos para uma preleção na oficina e delegou funções para cada um no acompanhamento da finalização das máquinas.
Quando MeuNobre chegou, faltavam 45 dias para começarmos a safra. E então o nosso herói resolveu conhecer a fundo cada um dos integrantes da equipe. Foi a casa deles, almoçou ou jantou com a família deles. Criou relação de confiança. Deu conselhos, amenizou conflitos familiares, ofereceu o ombro àqueles que necessitavam.
Começamos a safra com seis das sete frentes de colheita da usina produzindo abaixo das quotas estabelecidas. A única que superava era a liderada pelo MeuNobre. Então fui a campo entender o que acontecia.
Todas as frentes que não performavam tinham ainda a falta de entrosamento entre a liderança e a equipe. Estavam ainda se conhecendo, pois havíamos restruturado o número de máquinas e o número de frentes.
Já na frente do MeuNobre, tudo funcionava como uma orquestra. Tudo muito organizado, se uma máquina parava, rapidamente o mecânico chegava até ela e o operador prontamente se colocava a auxiliar para que o tempo de permanência do equipamento parado fosse o menor possível.
Na preleção no início do turno, às 6:30 da manhã, MeuNobre fez um discurso dirigindo-se a cada um dos membros da equipe e que estavam assumindo os seus equipamentos de trabalho. Falou de orgulho, de família, de felicidade, de valores, de legado, de nobreza... e tudo numa linguagem extremamente simples para se fazer entendido... foi emocionante até mesmo para mim, que já estou acostumado aos treinamentos motivacionais feitos por grandes oradores.
Neste dia eu percebi que MeuNobre não era um simples apelido a alguém que sempre se dirige as pessoas tratando-as como "Meu Nobre". O que eu constatei é que tinha em minha equipe um verdadeiro capitão, que não conhecia derrota e que missão dada era missão cumprida.

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