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Estudo de caso: Janjão


ANDRE MARQUES VALIO
Sempre que sou convidado a assumir uma posição executiva na empresa, tenho o hábito de solicitar à contratante o organograma e o currículo dos meus colaboradores diretos, pois quem ganha o jogo é o time e, para se ter sucesso, é necessário conhecer o potencial do que se tem em mãos.

Como o contingente de colaboradores nas áreas operativas de uma usina é muito grande, é certo que terei sempre alguém em RH dedicado ao negócio e, no caso da usina onde se passou esta estória, não se fugiu à regra.
Formada em psicologia e muito conhecedora das ferramentas de desenvolvimento organizacional, a minha consultora interna em RH traçou habilmente o perfil comportamental de todos os meus gestores, tanto para os meus diretos quanto para seus subordinados.
O profundo conhecimento das pessoas que minha apoiadora demonstrou possuir nas reuniões iniciais me fez ir além do que normalmente eu realizo em análise de chegada para um novo desafio. Perguntei a ela quem, mesmo do chão de fábrica, poderia ser identificado como formador de opinião. E a resposta dela foi imediata: o Janjão.
Em toda a empresa se pode encontrar colaboradores carismáticos. Janjão, nosso personagem de hoje era um destes.
Uma das constatações que há tempos me chama a atenção é o fato de que os colaboradores fisicamente mais fortes das usinas costumam dar expediente na divisão automotiva, especialmente na borracharia. Trabalhar o dia todo movimentando e consertando pneus e rodas de caminhões e tratores, que representam várias dezenas de quilos, não é tarefa para seres humanos comuns. Em geral, os borracheiros são brutos e na maioria das vezes tem fisionomia fechada e de poucos amigos. São facilmente identificados no refeitório das empresas com pratos (ou bandejas) de comida que não raro ultrapassam 1kg de peso líquido, composto principalmente da nossa tão brasileira combinação gastronômica:  arroz e feijão.
Janjão era borracheiro e, embora apresentasse estatura menor que a médio do brasileiro, tinha o biotipo típico dos borracheiros. Mas o que o diferenciava era a sua alegria. De sorriso sempre estampado no rosto, Janjão fazia questão de cumprimentar a todos e desejar bom dia!
Mais do que uma pessoa alegre e bem disposta, Janjão era um artista, capaz de realizar caricaturas perfeitas de todos com os quais convivia, em imitações dignas de concorrer em programas televisivos de calouros de alto nível. Mas não era somente das imitações que ele chamava a atenção, era ele também que liderava os discursos na linguagem dos seus pares quando se fazem diariamente no início do expediente os diálogos de segurança (DDS).
Fiel a sua religião, ele sempre invocava a proteção divina para si e também para todos com os quais convivia com muito fervor.
Com uma vida sofrida e de muitas frustrações, Janjão conseguia enxergar nas coisas simples a motivação de viver.
Um diagnóstico liderado pessoalmente por mim quando assumi o meu posto na companhia deixava claro que tínhamos um problema muito sério de procedimentos e padronização na oficina mecânica, além de uma visível precariedade nas instalações. Como primeira ferramenta de qualidade, decidi implantar o 5S, que rapidamente poderia nos ajudar a criar uma mentalidade de organização dentro do time.

No mesmo dia em que reuni todo o time do turno A, às 7am, para comunicar minha intenção de implantar o Programa 5S o Janjão me procurou e se ofereceu para participar de forma mais ativa e então eu ofereci a ele a candidatura como zelador do site.
Janjão ficou tão empolgado por poder fazer algo útil para todos e, independentemente do planejamento necessário para a implantação do programa, ele começou, por iniciativa própria, organizar a sucata, realizar reparos nos murais porta-ferramentas, pintar ou repintar os itens de sinalização de segurança, sem deixar seu trabalho cotidiano de lado. Quando cheguei à oficina para as minhas inspeções de rotina, fiquei impressionado com o quanto havia sido feito. Num primeiro momento não acreditei que tudo aquilo pudesse ter sido obra de um único indivíduo. Neste dia, tomei a decisão de que o Janjão seria afastado temporariamente dos trabalhos como borracheiro e se dedicasse exclusivamente à zeladoria.
Mas não bastava ter um bom zelador se os demais membros do time não “comprassem” a idéia. Foi então aí que o Janjão, com sua proatividade costumeira, travou uma verdadeira cruzada de convencimento dos colegas da importância da organização e da limpeza.
Janjão era uma pessoa sem formação técnica e com limitações típicas de quem frequentou a escola pública de baixa qualidade, mas isto não o impediu de estar conectado. Janjão tinha smartfone, sabia operá-lo com destreza e ainda mantinha perfil no Facebook, onde sempre foi muito assíduo nas postagens de temas que acreditava ser relevantes aos seu círculo de amigos.
Janjão continua até hoje a trabalhar na mesma companhia, agora definitivamente não mais como borracheiro e sim como soldador, mas ainda continua ativo em todos os programas de melhoria, sejam eles quais forem.
Hoje, o meu objetivo como gestor é construir um time de Janjões, daqueles que consideram que não existe desafio que não se possa enfrentar e superar, sempre com muita garra e otimismo.
Embora fiel à Ciência, peço ao Deus do Janjão que lhe conceda muita felicidade e que mantenha a sua família unida, assim como no sonho de todo homem de bem deste mundo.
Mas, para mim, quais foram para mim os aprendizados que pude extrair desta convivência?
São eles:
  1. 1) A alegria de viver é contagiante;
    2) A humildade não apenas nos torna apenas seres humanos melhores, mas também transforma o mundo a nossa volta;
    3) Se você tem a certeza de que está fazendo o bem, não existe julgamento que te desestabilize;
    4) Ouvir o “chão-de-fábrica” garante ações mais eficazes e decisões mais sábias, inclusive as estratégicas.

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