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É hora de retomar o extensionismo


Alexandre de Castro
Alexandre de Castro(*)
 
Ao contrário das projeções para o próximo ano, de forte retração do ritmo industrial mundial e do consumo de petróleo, a revisão para baixo da expectativa para a safra nacional de 2009, apontada pelo IBGE - 3,8%, ante 3,3% em outubro -, ainda está dentro de uma banda tolerável. Não obstante, as incertezas da grande maioria dos produtores rurais diante do preço dos insumos agrícolas e da crise - que já migra do platô financeiro para o econômico -, aliadas à diminuta ou muitas vezes ausente utilização de recursos tecnológicos na produção, podem, conjugadamente, amplificar as estimativas de diminuição da área plantada e de queda da produção para 2009.

Oportunamente, numa tentativa de promover o aumento da produtividade, diminuir o custeio com insumos e integrar os diversos agentes das cadeias produtivas, estão previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) R$ 914 milhões suplementares, que deverão ser destinados à pesquisa agropecuária até dezembro de 2010. Desse montante, R$ 650 milhões serão investidos diretamente na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e outros R$ 264 milhões, nas Organizações Estaduais de Pesquisa Agropecuária (Oepas), integrantes do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA), possibilitando, assim, a ampliação dos projetos em agroenergia, mudanças climáticas, alimentos, certificação, rastreabilidade, nutrição e saúde, além de outros específicos em tecnologias refinadas. Nesse contexto de fortalecer a pesquisa e promover a otimização das práticas agropecuárias, também é importante considerar que houve um salto significativo em investimentos na extensão rural (sistema de ensino para difusão de conhecimento à comunidade rural), de R$ 5,4 milhões em 2003 para um total de R$ 341 milhões em 2008. Mas, diferentemente do sistema de pesquisa agropecuária, não há, de fato, uma política extensionista unificada, o que acarreta prejuízo à dualidade pesquisa-extensão. Numa conjuntura em que a agricultura familiar é responsável por cerca de 40% da produção agrícola nacional - segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário -, é essencial que o extensionismo desempenhe a tarefa de transferir as tecnologias geradas pelo SNPA e sirva de mola propulsora para o desenvolvimento e o nexo entre a pesquisa tecnológica e o pequeno agricultor.

Vale lembrar que as origens da extensão rural no Brasil remontam ao ano de 1948, quando, em Minas Gerais, foi criada a Associação de Crédito e Assistência Rural. Logo depois outros Estados aderiram à iniciativa e a expansão dessas associações passou a exigir a criação de um núcleo central, de âmbito nacional, com o objetivo de coordenar a ação dos serviços estaduais de extensão, surgindo a Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural, que foi um modelo de eficiência, neutralidade política, agilidade operacional e mística dos extensionistas, qualidades perdidas com a sua substituição, em 1975, pela extinta Empresa Estatal Brasileira de Assistência e Extensão Rural (Embrater). Correntemente, o Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural conta com entidades em todos os Estados (Ematers) e, mesmo sendo coordenado pelo Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural, é restrito em seu potencial de organização e de articulação com os demais entes federais e internacionais.

É notável que, pela falta de uma política pública extensionista unificada e eficaz, existe uma grande brecha entre as tecnologias altamente produtivas, geradas pela pesquisa, e as práticas arcaicas que ainda são adotadas pela maioria dos agricultores e pecuaristas. A atual orfandade e divergência do sistema extensionista nacional exige um novo debate sobre mudanças imperiosas e de retomada de velhos paradigmas do modelo extensionista, em razão das novas exigências econômicas globais e do meio rural em particular. Levando em conta a escassez dos recursos públicos, principalmente no âmbito dos Estados, é importante pensar a assistência técnica e a extensão rural não apenas do ponto de vista estatal, mas também somando esforços da sociedade civil organizada, como cooperativas e entidades privadas afins. É tempo de pensar a extensão rural não mais pertencente somente ao primeiro setor, mas ao terceiro ou, mais propriamente, constituída na forma das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips).

Segundo Polan Lacki, renomado pesquisador e consultor da FAO/ONU e hoje um dos maiores pensadores brasileiros sobre educação e extensão rural, a agricultura brasileira necessita, em caráter de prioridade e urgência, de algo que os agricultores quase nunca reivindicam, ou seja, um renovado serviço de assistência técnica e extensão rural. Renovado no sentido de que seja ágil, desburocratizado, descentralizado em suas decisões e operações. Esse futuro serviço de assistência técnica, no entendimento de Lacki, precisa ser cofinanciado pelo Estado e pelos integrantes das cadeias produtivas da agricultura. E deverá ser administrado por uma organização privada e sem fins lucrativos, pertencente aos próprios integrantes das mencionadas cadeias. Para aprofundamento no tema um bom apanhado de trabalhos de Lacki pode ser encontrado em www.polanlacki.com.br.

Nesse prisma, a Lei nº 9.790/99, também conhecida como Lei do Terceiro Setor, é o reconhecimento legal de que as Oscips podem atuar como entidades privadas em áreas típicas do setor público. Sendo assim, a reativação da Embrater, não mais genuinamente estatal, mas na forma de Oscip administrada pelos próprios produtores rurais, devidamente organizados, e que funcione com seriedade, agilidade e descentralização é um caminho contemporâneo e viável para conjugar e, conseqüentemente, aplanar a extensão rural brasileira, além de preparar os pequenos e médios agricultores para promover uma agricultura tecnológica de baixo custo, compatível com os tempos de turbulência global.
*Alexandre de Castro é pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária.
 
(Publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 26 de dezembro de 2008).

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