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CTNBio: Ação Civil do fim do mundo atrapalha aprovação de feijão transgênico.


Reginaldo Minaré

                              Em 2007 a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio aprovou para uso comercial um evento de milho geneticamente modificado e no Parecer onde publicou sua decisão (Parecer 987/2007) incluiu a seguinte observação: "As restrições ao uso do OGM em análise e seus derivados estão condicionadas às normas para coexistência e ao plano de monitoramento pós-comercialização, a serem publicados pela CTNBio oportunamente".

Como à CTNBio compete deliberar, caso a caso, sobre a biossegurança de produtos geneticamente modificados, ao condicionar o uso do milho transgênico aprovado por meio do Parecer 987 à elaboração de normas para coexistência do milho geneticamente modificado, com milho convencional e crioulo e de um plano de monitoramento pós-comercial, sem explicar a característica dessas condicionantes, a CTNBio atribuiu à esses dois mecanismos caráter de medida de biossegurança.

Nesse ponto começa a sucessão de falhas que deu origem a Ação Civil Pública nº 2007.70.00.015712-8/PR, que pela total falta de elucidação do que nela é discutido pode ser denominada de "Ação Civil do fim do mundo", visto que até o momento a ela foram acostados documentos que mais servem para complicar aquilo que já no início deixou de ser explicado.

Falhou a CTNBio ao se comprometer publicar norma para a coexistência de culturas de milho. Nesse caso concreto a regra de coexistência funciona como mecanismo para gerenciamento dos diversos sistemas de produção de milho (transgênico, convencional e orgânico) e não como uma medida de biossegurança. A competência para estabelecer esse tipo de regra de coexistência é do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA e não da CTNBio. Cabe ao MAPA organizar a produção e não à CTNBio.

Falhou também a CTNBio ao afirmar que publicaria o plano de monitoramento pós-comercialização do milho analisado. De fato cabe à CTNBio decidir, caso a caso, para qual transgênico se exigirá a elaboração de um plano de monitoramento pós-comercial. Entretanto à Comissão cabe estabelecer critérios para que a empresa interessada desenvolva seu plano de monitoramento que será submetido à Comissão para aprovação e não elaborar o plano de monitoramento pós-comercialização. Que por sua vez, não pode ser confundido com medida de biossegurança.

Dessa forma, ao se comprometer com a publicação de regra de coexistência e plano de monitoramento sem esclarecer a natureza desses instrumentos, a CTNBio abriu espaço para o entendimento de que se tratam de medidas de biossegurança. Foi exatamente isso que ocorreu. Organizações contrárias à liberação comercial de transgênicos no País aproveitaram a brecha e recorreram à justiça. A juíza, de forma acertada, julgou procedente a ação e exigiu que a CTNBio publicasse as condicionantes antes do plantio do milho, afinal uma medida de biossegurança é coisa séria e não pode ficar para ser publicada em momento oportuno.

Ainda na Ação civil está sendo exigido da CTNBio que estabeleça como regra a necessidade de realização de experimentos em todas as regiões do país para a liberação de transgênicos. Esse mandamento absurdo está sendo amparado no dispositivo da Lei 11.105/2005 (Lei de Biossegurança) que estabelece os requisitos mínimos que deverão constar do parecer da CTNBio. Nesse dispositivo está dito que a Comissão também considerará as particularidades das diferentes regiões do País com o objetivo de subsidiar os órgãos de fiscalização. Para cumprir esse requisito não é necessário nem inteligente estabelecer a priori a exigência de realização de pesquisas nas diferentes regiões do País. Essa necessidade deve ser identificada caso a caso pela CTNBio no momento da avaliação dos projetos a ela submetidos. A Lei de Biossegurança é clara ao estabelecer que compete à CTNBio emitir decisão técnica, caso a caso, sobre a biossegurança de transgênicos e seus derivados no âmbito das atividades de pesquisa e de uso comercial, inclusive a classificação quanto ao grau de risco e nível de biossegurança exigido, bem como medidas de segurança exigidas e restrições ao uso. Verifica-se, portanto, que nesse ponto a falha foi dos operadores do direito, pois a Lei de Biossegurança não poderia ser mais clara, o método de análise da Comissão é caso a caso.

Ao não elucidar esses pontos a Comissão deixou de defender uma das principais características do sistema nacional de biossegurança, que é a análise caso a caso expressamente garantida pela Lei de Biossegurança. A exigência de plano de monitoramento está se tornando regra e a necessidade de realização de pesquisa nas diferentes regiões do País também.

Permitir que o dogmatismo jurídico retrógado, que não sobrevive intelectualmente sem o apoio de uma muleta oferecida por uma regra universal estabelecida a priori, sobreponha-se ao método de análise caso a caso será o principal prejuízo para o sistema de biossegurança.

Além disso, conseguiu-se na Ação Civil complicar o entendimento de um artigo que não poderia ser mais claro na Lei de Biossegurança. Diz a referida lei que compete à CTNBio dar ampla publicidade no Sistema de Informações em Biossegurança – SIB a sua agenda, processos em trâmite, relatórios anuais, atas das reuniões e demais informações sobre suas atividades, excluídas as informações sigilosas, de interesse comercial, apontadas pelo proponente e assim consideradas pela CTNBio. O texto é claro, só não é público as informações consideradas pela CTNBio como sigilosas por motivo de interesse comercial. Entretanto, está sendo exigido da CTNBio que modifique se Regimento Interno para explicar o que é informação sigilosa, como se a lei não fosse clara. De fato essa Ação Civil é complexa, preocupa-se tanto com a publicidade dos atos da CTNBio e não determina ao Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia que faça gestões para construir o SIB, que até hoje não passa de uma ficção jurídica criada pela Lei de Biossegurança, pois o Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil ainda não foi capaz de construir um portal na Internet para cumprir a Lei de Biossegurança que entrou em vigor em 2005.

O pior é que tudo isso já está sendo utilizado pelos que são contrários à liberação dos transgênicos para impedir a votação do processo de liberação do feijão transgênico desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa.

Caso a CTNBio não exerça sua autoridade legal no campo da engenharia genética, será atropelada pelo dogmatismo jurídico e prejudicará o desenvolvimento do estudo e da aplicação da biossegurança de organismo geneticamente modificado - OGM no País, que já caminha de mãos dadas para o absurdo com essa Ação Civil do fim do mundo.

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