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Compartilhar o conhecimento: compromisso do cientista


Opinião Livre
Não só no Brasil, mas em todo o mundo, a pesquisa, o ensino superior e as pós-graduações estão sendo repensados. Além de cumprir seu clássico papel de formar pessoas reflexivas e competentes filosófica, social e cientificamente, o mundo acadêmico vem assumindo outras funções e sendo orientado a contribuir para a competitividade da economia e oferecer formação adequada de alto nível para o mercado de trabalho público e privado, com o objetivo de criar quadros competentes para a burocracia estatal e prestar serviços à sociedade.
A orientação da ciência para as necessidades da sociedade se intensificou a partir dos anos 1980 em todo o mundo ocidental e se acentuou neste século. No estágio de desenvolvimento em que o mundo se encontra está cada vez mais patente que ciência, tecnologia e inovação são os grandes motores do desenvolvimento humano, social e econômico: as nações que não investem nesse tripé ficam dependentes do que é produzido em outros países.
Alguns filósofos e sociólogos contemporâneos falam de uma ciência em mutação para uma sociedade em transformação. Referem-se à transição de um modelo de investigação caracterizado por um espaço social relativamente livre de controles externos e calcado na avaliação de qualidade apenas por pares, para outro no qual vigore uma agenda científica de excelência que integre o desenvolvimento sustentável dos países e a participação da sociedade.
Assim, os avanços promovidos pelas descobertas científicas e tecnológicas atualmente, além de buscar maior adesão às necessidades e expectativas da sociedade, devem cada vez mais se tornar democráticos e inclusivos. Existe hoje um consenso indiscutível na comunidade científica sobre a necessidade de compartilhar a ciência que é construída nos laboratórios e em grupos de pesquisa com o público em geral, utilizando linguagem acessível.
Transformar a linguagem técnica de cada área em produtos, textos e propostas que possam ser apropriadas pela sociedade é um projeto político da mais alta relevância ao qual nossos governantes não têm sido sensíveis. Ou seja, a última etapa crucial do processo de produção científica e tecnológica, a disseminação, por ser negligenciada, diminui a força do país no cenário internacional e prejudica a valorização da ciência pela sociedade brasileira.
Finalizo esta reflexão com uma mensagem que nos deixou o teatrólogo alemão Bertold Brecht na peça A Vida de Galileu, escrita em1939. Nela, o autor introduziu gerações de plateias ao personagem Galileu, não apenas como genial cientista, mas como portador do dilema ético central de toda a ciência contemporânea. Suas frases, traduzidas na peça de Brecht, são memoráveis: “A miséria de muitos é velha como as montanhas, e, segundo os púlpitos e as cátedras, ela é indestrutível, como as montanhas”; “Seremos ainda cientistas se nos desligarmos da multidão?”; e “Eu sustento que a única finalidade da ciência é aliviar a canseira da existência humana”.
Maria Cecília de Souza Minayo, graduação em sociologia e mestrado em antropologia social ambos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutorado em saúde pública pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). É pesquisadora do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/Ensp/Fiocruz), conselheira editorial da Editora Fiocruz e convidada do Programa de Divulgação Científica da ABEU.

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