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Código Florestal: academia chegou tarde e trouxe argumentos frágeis


Reginaldo Minaré

Está disponível na página da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC na internet um texto contendo perguntas e respostas relacionadas ao tema: o Código Florestal e a Ciência. O texto informa que as respostas foram formuladas pela SBPC e pela Academia Brasileira de Ciências - ABC.

A última pergunta feita indaga a opinião da SBPC e ABC sobre qual a solução para o conflito entre os poderes em relação ao ordenamento territorial regulado pelo Código Florestal. As instituições mencionadas iniciam a formulação da resposta com a seguinte afirmação: "uma lei gerada ou modificada para atender a momentâneos grupos de interesse ou que se curva ao poder econômico distorcido tenderá a criar instabilidade jurídica, o que resulta em prejuízos para os indivíduos e para a Nação...". Já no início da resposta fica evidente a visão preconceituosa e limitada das instituições acima mencionadas com relação aos produtores rurais e seus representantes no Parlamento. Além disso, uma lei efetivamente atende uma demanda da sociedade e o processo de legitimação pela democracia determina que a pretensão do grupo majoritário na sociedade é legítima e deve prevalecer quando não afronta a Constituição.

Na resposta formulada à terceira pergunta, a SBPC e ABC afirmam que "embora as leis florestais (anteriores e a vigente), tenham contado em sua formulação com importantes aportes da ciência da época, torna-se evidente para a análise científica atual – e pelos desafios de um Brasil diferente e mais desenvolvido –, que o Código Florestal precisa ser atualizado e aperfeiçoado". Mesmo considerando importantes os aportes científicos ofertados nas leis florestais anteriores e vigentes, as instituições que formularam a resposta não justificaram com o rigor necessário o porquê da necessidade de tantas modificações a respeito das dimensões exigidas, por exemplo, para as áreas de preservação permanente em um curto período de meio século.

Em 1965 exigia-se a preservação de 5 metros de faixa de vegetação natural nas margens de rios com menos de 10 metros de largura. Em 1986 a exigência passou para 30 metros de largura. O projeto de lei que tramita atualmente no Senado mantém a exigência de faixa de vegetação de 30 metros para rios com menos de 10 metros de largura e mais, exige, para fins de regularização ambiental das áreas de preservação permanente, que para as áreas onde a cobertura marginal de rios com menos de 10 metros não possua os 30 metros, que sejam recompostas até a largura de 15 metros. Nesse ponto vale comentar que grande parte da área agrícola brasileira foi consolidada antes de 1986, sob a égide de uma lei que exigia a preservação de 5 metros de vegetação nativa nas margens de rios com menos de 10 metros de largura. Analisando a situação com o rigor que uma hermenêutica jurídica séria requer, conclui-se que os agricultores que assim procederam atuaram dentro da mais estrita legalidade. Não podem, portanto, ser penalizados pela esquizofrenia jurídica do Estado que atuou fundamentado ou não por orientações científicas inconsistentes. Resta claro, portanto, que o projeto de lei que atualmente tramita no Senado Federal nada tem de conteúdo distorcido nem de subserviência ao poder econômico. Pelo contrário, diante da manta de retalho que caracteriza a evolução da atual legislação, o texto não poderia ser mais equilibrado e, diga-se de passagem, é deveras duro com os proprietários de terra que consolidaram suas propriedades antes de 1986. Cabe observar que não só as respostas formuladas pela SBPC e pela ABC são inconsistentes, mas também o texto "Código Florestal e Ciência: contribuição para o diálogo", que também está disponível na página da SBPC, não oferece esclarecimentos às dúvidas acima formuladas. Observa-se ainda, que entre os membros do grupo de trabalho que organizou o texto acima mencionado, destinado a orientar a reformulação de uma lei, a ausência de profissionais da ciência jurídica é total. Acode lembrar que tudo que foi dito sobre área de preservação permanente aplica-se ao instituto da reserva legal.

Não se pode deixar também de pontuar que inexistem argumentos nos textos ofertados pela SBPC e pela ABC, baseados em estudos científicos, demonstrando que as regras contidas no texto do projeto de lei em análise no Senado são insuficientes para promover um ordenamento territorial que leve o Brasil para uma era de mais produtividade com sustentabilidade econômica, ambiental e social. Relevante advertir que em nenhum momento o material ofertando indica o grau de sustentabilidade do atual sistema produtivo agrícola praticado no Brasil, não se pode partir do princípio que a produção agrícola brasileira não seja econômica, ambiental e socialmente sustentável. Na resposta à pergunta número 9 a SBPC e a ABC afirmam que a ciência tem a chave para salvar um acordo entre ambientalistas e ruralistas, que se traduza na sustentabilidade econômica, social e ambiental das paisagens brasileiras. Contudo, analisando o que foi apresentado até o momento, verifica-se que a chave ofertada foi retirada do baú ambientalista e não é fruto de uma construção equilibrada, baseada no processo de ocupação territorial que começou há séculos e fundamenta a situação que temos hoje.

Quem teve a oportunidade de viajar de trem da cidade de São Paulo/SP à cidade de São José do Rio Preto/SP pode constatar, se observou bem a paisagem, que a maioria das habitações rurais foi construída nas margens dos córregos e rios. Em passado não muito distante, quando não havia eletrificação rural, residir próximo aos riachos era o indicado. Era mais prático conseguir água para a manutenção da casa e dos animais. Sem irrigação mecanizada o cultivo das várzeas e brejos era essencial, especialmente para a produção de arroz e hortaliças. Trata-se de um processo histórico que não dá para deixar de considerar.

Na resposta à pergunta número 13, que indaga se é correto dispensar pequenas propriedades de exigências ambientais, percebe-se que até a pergunta é distorcida. Em nenhum momento o projeto de lei em comento dispensa as pequenas propriedades do conjunto de exigências como sugestiona a pergunta. Apenas para os imóveis rurais com área de até 4 módulos fiscais que não possuam remanescentes de vegetação nativa para atingir o que é exigido no projeto, o legislador exime o proprietário de recompor a diferença que falta. Nesse ponto cabe observar que não foi considerada a possibilidade dessa forma de tratamento poder se tornar em incentivo para o plantio de arvores em pequenas propriedades destinadas ao mercado de carbono, visto que a vegetação que compõe a reserva legal, por se tratar de uma obrigação legal para o proprietário da terra, não é considerada como ativo que possa ser comercializado no mercado de carbono.

Outro ponto que merece destaque diz respeito aos mecanismos que o projeto de lei oferece ao Estado para fiscalizar e exigir a observância do que é estabelecido pelo texto em debate. Importante ressaltar que o Decreto nº 23.793/1934, que aprovou um antigo Código Florestal, dispunha de um significativo instrumental à disposição dos órgãos fiscalizadores para fazer cumprir o que foi estabelecido. Especificamente sobre esse tema, o projeto de lei que se encontra em debate no Senado Federal pode ser melhorado. Isso não foi objeto de crítica aprofundada por parte da SBPC e da ABC. Analisando a legislação atual e anteriores que disciplinaram a matéria, o projeto que está sendo debatido no Senado e a atual situação do universo rural brasileiro, não é necessário muito esforço para verificar que, caso sejam aprovados os parâmetros de preservação estabelecidos no projeto em discussão e sua exigência integral seja efetivada, conseguir-se-á um ganho ambiental significativo.

Por outro lado, o conteúdo da publicação conjunta da SBPC e da ABC "Código Florestal e Ciência: contribuição para o diálogo" pode ser considerado como uma contribuição valorosa para a formulação de uma política agrícola, especialmente no que diz respeito à orientação para a introdução de modernos métodos de manejo no sistema produtivo e de utilização da terra.

Em passado recente, mais precisamente na segunda metade da última década do século XX, a SBPC, capitaneada pela então presidente Glaci Zancan, posicionou-se de forma incisiva contra a liberação dos transgênicos. Naquela ocasião a SBPC se associou ao movimento ambientalista contrário aos transgênicos e produziu textos com afirmações superficiais e políticas. Por exemplo, em artigo publicado no Jornal da Ciência número 396 (agosto de 1998) "A soja transgênica e a cidadania", encontramos as seguintes afirmações: "Para a SBPC, a desregulamentação da soja transgênica resistente ao herbicida Roundup®, com o atual grau de informação disponível sobre seus riscos à saúde humana e ao meio ambiente, será decisão lesiva aos interesses da população brasileira....Acima de tudo, não há informações claras sobre os graus de toxicidade do produto para a espécie humana – o que é exigido pelas Instruções Normativas da própria CTNBio..". Já no artigo "Transgênicos: ciência, ética e dominação", publicado no Jornal do Commercio (Recife – 25.07.1999) a então presidente da SBPC sentenciou: ".... A comissão, no entanto, não foi suficiente exigente na análise da documentação constante do processo de desregulamentação da soja transgênica e por isso vem sendo bombardeada com críticas".

Considerando o histórico da SBPC, identifica-se que já ocorreu o engajamento político ambientalista, o que pode sugerir uma vertente ideológica e pouco cientifica em seus posicionamentos. Entretanto, a apresentação dos textos com a chancela da ABC foi uma novidade. Fica a dúvida: Os textos publicados com a chancela da ABC representam de fato a posição cientifica da maioria dos membros da instituição ou opiniões de cientistas integrantes da ABC?

 
Reginaldo Minaré
Advogado e Mestre em Direito

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