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Clonagem de animais: distanciamento entre regulamentação e técnica


Reginaldo Minaré

                      No Brasil o rebanho de clones já supera 70 animais, dos quais aproximadamente 40 estão em idade reprodutiva, e a prestação de serviço de clonagem vem se firmando como um bom negócio no universo da economia baseada no conhecimento, gerando riquezas e empregos especializados.

Com custo médio de R$ 50.000,00 por clone produzido, a demanda que já é grande tende a aumentar. E não é sem motivo que o Brasil está na vanguarda dessa tecnologia, possui um rico plantel de animais de raças zebuínas e animais elite de elevado prestigio genético e preço de mercado.

Entretanto, a adequada regulamentação da cadeia de prestação de serviço de clonagem com o estabelecimento dos instrumentos necessários para oferecer garantias aos participantes do processo ainda não foi adequadamente oferecida pelo Estado.

Em 2007 a senadora Kátia Abreu apresentou o Projeto de Lei do Senado - PLS nº 73 propondo uma regulamentação para o setor. Atualmente o PLS nº 73 encontra-se na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática – CCT aguardando votação de parecer apresentado pelo senador Gilberto Goellner, que é favorável ao PLS. A proposta já foi objeto de duas Audiências Públicas no Senado Federal, onde pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa, da Universidade de São Paulo - USP e dirigente da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu - ABCZ manifestaram apoio ao projeto, indicando, inclusive, desejo de urgência do setor na aprovação do mesmo.

Porém, devido à falta de posicionamento claro e tempestivo de alguns órgãos do Poder Executivo Federal, especialmente o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e a Agencia Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa, os senadores não conseguem votar o texto. Sempre que o projeto entra na pauta da Comissão para votação, surgem pedidos para que esses órgãos conheçam e se manifestem sobre o mérito do PLS. Esse expediente, que já foi utilizado algumas vezes, até o momento não conseguiu fazer surgir posições claras e fundamentadas.

Especificamente sobre o IBAMA, cabe ressaltar que a atividade de clonagem de animal silvestre não é proibida no Brasil e que o PLS nº 73 atribui competência, ao órgão ambiental, para regular a matéria. Sendo contra o PLS, o IBAMA estará rechaçando a possibilidade de aprovação do único instrumento até então proposto que lhe permitirá organizar esse segmento.

No segundo semestre de 2009, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA publicou regulamento para permitir o registro genealógico para animais das raças zebuínas oriundos da técnica de transferência nuclear, que é o procedimento utilizado atualmente para a produção de clones. O regulamento expedido pelo MAPA, em que pese sua relevância para a organização pontual do mercado de material genético de clones, não contempla, por não ser o instrumento normativo adequado, o que é proposto no PLS nº 73/2007.

Embora a técnica de clonagem, devido ao elevado custo, venha sendo utilizada apenas para a produção de animais geneticamente modificados e para a reposição de animais de elevado prestigio genético e preço no mercado, e não para formar rebanho comercial. O debate sobre a segurança alimentar de carnes e leite derivados de clones e suas proles encontra-se em estágio avançado e conta com parecer favorável de relevantes instituições.

Nos Estados Unidos da América - EUA, a agência responsável pela administração de drogas e alimentos - FDA (sigla em inglês para Food and Drug Administration), depois de anos de estudo e análise detalhada publicou, em meados de janeiro de 2008, parecer onde concluiu que a carne e o leite proveniente de clones de bovinos, suínos e caprinos são tão seguros quanto os alimentos originados de animais criados convencionalmente.

Após a publicação do entendimento da FDA, o Departamento de Agricultura – USDA (sigla em inglês para United States Department of Agriculture) publicou manifestação de apoio integral à avaliação da FDA, reafirmando que a carne e o leite de clones bovinos, suínos e caprinos não suscitam qualquer preocupação com segurança, e que esses produtos não são diferentes daqueles derivados de animais tradicionalmente criados para o mercado.

No Canadá a situação não é diferente daquela observada nos Estados Unidos. Inclusive, empresa canadense instalada no Brasil comercializa sêmen e embriões de clones produzidos e registrados no Canadá, contribuindo com o aprimoramento da genética do rebanho leiteiro nacional.

Na União Européia, atendendo pedido feito pela Comissão Européia em 2007, a Autoridade Européia de Segurança Alimentar – AESA (European Food Safety Authority - EFSA) analisou e concluiu que com relação à segurança alimentar, não há nenhuma indicação de que existam diferenças entre o leite e a carne de clones bovinos e suínos e seus descendentes, em comparação com as de animais produzidos convencionalmente.

Imediatamente após a publicação do parecer da EFSA, setembro de 2008, o Parlamento Europeu, alegando necessidade de observar as normas relacionadas ao bem-estar animal, aprovou Resolução sugerindo que a Comissão Européia encaminhe ao Parlamento proposta tendente a proibir, para fins de provisão alimentar, a clonagem, a criação de clones, a importação de animais clonados, seus descendentes, embriões e sêmen. Até o momento, a Comissão Européia, instituição que propõe a legislação para a União Européia, não enviou nenhum projeto de cunho proibitivo.

Recebida a provocação do Parlamento, o Executivo comunitário concordou existir "questões pendentes", mas que é importante obter "respostas científicas". A Comissão Européia solicitou à EFSA novo parecer sobre as implicações da clonagem animal sobre a segurança alimentar, a saúde e bem-estar animal e a segurança ambiental, de forma a atualizar o parecer emitido em 2008. A Comissão também considerou conveniente discutir essas questões com outros parceiros como os Estados Unidos, o Canadá e o Japão. O assunto continua em debate.

Quem analisa a posição do Parlamento Europeu e estuda os discursos proferidos no debate que antecedeu a aprovação da mencionada Resolução, identifica, de forma clara, a tentativa de criar instrumentos para implementação de barreiras comerciais. No debate e no texto da Resolução, os parlamentares silenciaram-se a respeito da produção e criação de animais geneticamente modificados, especialmente aqueles modificados para produzirem substâncias de interesse da indústria farmacêutica, área que é de grande interesse dos países do bloco. Atualmente, para produzir um animal geneticamente modificado, a técnica utilizada passa pelo procedimento de clonagem. É certo afirmar, considerando o atual estágio da técnica, que a maioria dos animais clonados não são transgênicos, mas que todo animal transgênico é um clone. Curioso, portanto, o fato dos eurodeputados não pleitearem a proibição da produção e criação de animais geneticamente modificados.

Analisando o que até aqui foi argumentado e levando em consideração o fato de termos, no Brasil, empresas nacionais prestando serviços de forma regular no campo da clonagem de animais, incluindo coleta, armazenamento e conservação de material biológico para clonagem futura, a organização do setor é exigida de forma imperiosa.

Criadores de bovinos, eqüinos e caprinos não dispõem de instrumento garantidor e motivador que ajude impedir que células somáticas sejam coletadas indevidamente de seus animais para produção clandestina de clones. O regulamento de registro proposto pelo MAPA pode até impedir que um clone clandestino seja registrado, mas não impede que um clone clandestino seja produzido e utilizado por quem o possuir.

Nesse caso o Direito, que deveria estar na vanguarda, pavimentando o caminho para o desenvolvimento seguro de uma atividade econômica relevante, tem dificuldade para ser estabelecido a reboque dos acontecimentos.

Efetivamente, a pujança a pecuária brasileira está atropelando e sendo atropelada pela burocracia e a inação de setores do Poder Executivo Federal.

 

Reginaldo Minaré
Diretor Jurídico da ANBio

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