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Boi Bacamarte


IZNER HANNA GARCIA

Louco de pedra.

Boi Bacamarte

 

Em O ALIENISTA o grande escritor Machado de Assis traz a figura do que então se chamavam de “alienista”, um médico psiquiatra.

O personagem machadiano chamava-se Bacamarte.

Este Bacamarte, de forma resumida, iniciou em uma pequena cidade um programa de ‘recolhimento’ a um hospital psiquiátrico dos ‘loucos da cidade’ e, à medida que o conto caminha, mais e mais pessoas são recolhidas ao hospício (acho que não se pode mais, politicamente correto, falar assim de hospitais psiquiátricos) chegando à culminância de que em determinado momento quase todos da cidade estavam recolhidos aos ferros como loucos.

Bacamarte, que era honesto, passa então a refletir: se quase todos, sob minha análise psiquiátrica, são loucos quem sabe, então, o conceito mesmo de loucura não seja inverso, tal seja, os loucos são os normais e os normais são loucos?

Bem, não vou dar aqui o spoiler do conto.

Mas a reflexão vale hoje.

Recentemente tivemos a divulgação de dados sobre o rebanho bovino do Brasil para 2024.

Um dado veio da CONAB. Aponta um rebanho em 2024 de 232 milhões de cabeças bovinas no Brasil em 2024.

Outro dado veio do USDA, o departamento de pesquisa agropecuária dos EUA. Aponta um rebanho em 2024 de 186 milhões de cabeças bovinas no Brasil em 2024.

São 46 milhões de cabeças entre uma e outra projeção.

Tal diferença não está na margem de erro.

Praticamente 20% entre uma e outra análise.

Por comezinha lógica alguém está em erro. A CONAB ou o USDA?

Quem conhece e está inteirado da realidade da pecuária brasileira sabe, de “bate pronto”, a resposta.

A pecuária brasileira vem, não de agora, sofrendo uma “pressão” de várias frentes. Em primeiro lugar, claro, o crescimento da agricultura que de certa maneira “empurra” a atividade para longe, ocupando espaço (terras). De outro lado restrições (na maioria das vezes injustificadas) ambientais que já repercutem na restrição de comercialização.

Também não é de se esquecer a conjuntura de concentração do abate que levou a cartelização do setor e a deixar o produtor à mercê de poucos grandes grupos financeiros.

Soma-se a tal a conjuntura internacional (que tem na China o seu grande propulsor) passando por um momento de, digamos, assim menos apetite comprador.

Por óbvio que a produção brasileira de carne não tem na exportação, como países como Uruguai, o mercado internacional como denominador já que majoritariamente a carne brasileira é destinada ao mercado interno. No entanto, é inegável que a cotação internacional termina por influir e também ser um fator de preço ao mercado interno já que, se tivéssemos preços em alta no mercado internacional, a pressão de demanda internamente seria afetada.

Dessa conjunção de fatores resulta uma queda brutal de preços para o invernista, na ponta e, claro, a transmissão desta queda a toda cadeia produtiva da pecuária.

Por outro lado todos os custos e insumos da produção tiveram altas, sejam tratos sanitários, suplementos e grãos.

A resultante, a conta no final desta equação, aponta para uma situação realmente desfavorável à atividade pecuária no Brasil.

Mas e daí poderá o leitor perguntar. O que interessa choramingas de produtores rurais? A picanha não está mais barata na gôndola do supermercado? Não é isso que importa?

Em um primeiro e imediato momento sim.

Há um delay entre uma ação e sua consequência.

Pensemos: você vê o Mike Tyson em um bar. Levanta, vai até ele, o cumprimento e dá-lhe um tapa na cara. Esta é a ação. Certamente entre esta ação (o tapa na cara) e sua cabeça rolar ao piso (consequência) haverá um intervalo. A curva deste intervalo, ao burro, pode indicar que não haverá consequência ou dizer, nos 30 segundos até a reação do Tyson: “viu, estapeei o Tyson e nada aconteceu”.

Bem, parece, estamos vivendo este intervalo.

Ao consumidor (e governo) parece que está tudo ótimo. Aos frigoríficos também.

Mas, claro, haverão consequências...

Este ano todo de 2023 estão sendo liquidadas fêmeas à proporção que qualquer aprendiz de contabilidade pode apontar que significa um grave comprometimento da recomposição do rebanho. É o chamado cálculo atuarial. A proporção de abate não pode superar, em regra, 30% de fêmeas. Acima deste montante o rebanho está sendo, literalmente, liquidado.

Justamente é isso que está acontecendo no Brasil hoje. Se abate fêmeas hoje em proporção maior e justamente este aumento do abate de fêmeas que gera o aumento do abate em 2023.

 

Gráfico de abate do primeiro semestre de 2023.

A pecuária tem um ciclo longo. Para se ter um boi no gancho, aos 30 meses, tem-se de ter uma bezerra que levou 9 meses de gestação + 9 meses de desmame + 20 meses até a prenhez + 9 meses até a gestação + 9 meses até o desmame + 20 meses até o abate.

São 6 anos.

Assim, o que estamos fazendo hoje vai repercutir pelos próximos 3 anos no mínimo.

Vejamos os EUA.

É um case interessante.

Lá houve uma diminuição do rebanho bovino. Na verdade hoje falta gado para abate. Tal é bem visível nos resultados dos frigoríficos que vem demonstrando resultados aquém dos esperados justamente porque o rebanho diminuiu e agora tem de pagar mais caro.

O Brasil parece estar na ante sala deste cenário. Claro, na parte da ‘festa’ dos frigoríficos que, aproveitando-se das baixas de valores, aceleram as compras que são as liquidações do rebanho. Sobra carne e crescem os lucros.

Mas a força de Tyson (= mercado) não pode ser anulada.

 

Izner Hanna Garcia, advogado, pós graduado FGV

https://fazendasnouruguai.com/

[email protected]

https://www.youtube.com/watch?v=MG58brpAEDc

 

 

 

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