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Biotecnologia moderna ou biotecnologia em atraso?


Reginaldo Minaré

No início da década, a Comissão Européia e o Parlamento Europeu, ao elaborar e aprovar a estratégia do bloco para as ciências da vida e biotecnologia, afirmaram que este segmento, semelhante às tecnologias de informação e comunicação, seria a nova onda da economia baseada no conhecimento.

Indiscutível que está ocorrendo uma revolução, que tem uma amplitude mundial, no âmbito das ciências da vida e da biotecnologia, possibilitando aos pesquisadores e investidores novas aplicações nos setores da saúde, da agricultura, da indústria de alimentos e da proteção do meio ambiente.

Ocorrendo em velocidade sem precedentes na transformação de conhecimentos científicos em biotecnologias de ponta, disponibilizando para o mercado serviços e produtos, a biotecnologia moderna é um território repleto de potencialidades para a geração de riquezas e empregos especializados. Não seria exagero afirmar que já está delineado e em processo de consolidação um novo segmento econômico: a bioeconomia.

A biotecnologia moderna, com as plantas transgênicas, tem contribuído para reduzir o custo da produção dos alimentos e, com a redução do uso de defensivos agrícolas nas plantações, os impactos negativos para o meio ambiente e saúde. Possibilita, ainda, a produção de proteínas para aplicação terapêutica, por meio de plantas e animais geneticamente modificados, e a produção de biocombustíveis a partir da biomassa através de processo de fermentação utilizando microrganismos transgênicos. 

Contudo, para estar na ponta, na dianteira, ou bem posicionado entre os competidores, é preciso acompanhar o ritmo mundial, é necessário transmudar velhas indústrias, incentivar a criação de novas empresas e de pólos de biotecnologia, preparar pessoas para ocuparem as vagas de empregos qualificados. É necessário que o governo tenha uma política bem definida e prática para o setor e que os órgãos reguladores não atrapalhem a iniciativa privada com excessos de burocracias, morosidade e construção de sistema normativo fragmentado. Somado ao que foi dito, cabe ressaltar que o desenvolvimento da indústria biotecnológica requer intenso aporte de capital, exigindo que o acesso ao financiamento necessário seja garantido, que a defesa da propriedade intelectual seja reforçada e aprimorada, e que qualquer falha no processo de intercâmbio de informações e colaboração entre os setores de pesquisa e a indústria seja sanada.

Diante das considerações acima formuladas e analisando o funcionamento da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, especialmente a administração da Comissão, constata-se que o Brasil, efetivamente, não poderia estar em outro lugar no ranking dos competidores, ou seja, bem distante daqueles que ocupam posições dianteiras.

Desde 2003, a CTNBio, que até 2005 contava com 36 membros e que a partir de 2006 passou a contar com 54 membros titulares e suplentes - que em sua maioria dependem de passagens aéreas e diárias para participarem das reuniões mensais realizadas em Brasília foi sufocada com um mísero orçamento de 1 milhão de reais por ano. Com este orçamento anual, a Comissão ainda precisa pagar as despesas de membros e integrantes de sua coordenação administrativa, quando necessário à realização de visitas técnicas em instituições localizadas nas mais variadas regiões do País; fazer diversas publicações no Diário Oficial da União; que precisa contratar cientista para emissão de pareceres ad hoc, visto que nem sempre o especialista mais indicado é membro da CTNBio; construir e manter um Sistema de Informações em Biossegurança e se relacionar com uma ampla rede de Comissões Internas de Biossegurança – CIBios espalhada pelo Brasil. Para este ano a previsão orçamentária é de 2 milhões de reais, valor ainda insignificante diante das necessidades e obrigações do órgão e da relevância do segmento coordenado pela CTNBio, principalmente se considerar que é elevada a probabilidade de contingenciamento de parte desses recursos.

Todavia, a CTNBio, que é responsável pela análise da biossegurança de todas as pesquisas e produtos no campo da engenharia genética e que faz parte da estrutura básica do Ministério da Ciência e Tecnologia, agoniza não apenas devido aos parcos recursos que recebe. Inexiste uma articulação política sistemática com os Ministérios que, juntos com a CTNBio, as CIBio e o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, compõem o Sistema Nacional de Biossegurança. Inclusive, cabe salientar que até o momento o que impera na Comissão é uma forte desarticulação dos Ministérios que representam o Governo Federal na CTNBio. Até em pequenos detalhes é possível constatar a pobreza administrativa que acomete o órgão. Basta verificar o ambiente de realização das reuniões mensais da CTNBio: um auditório feito para a elaboração de palestras e eventos políticos e não para abrigar reuniões de uma Comissão Técnica, onde os membros são acomodados em cadeiras/carteiras que não oferecem nenhum conforto nem espaço para o manuseio adequado dos equipamentos e materiais necessários. É comum ver materiais depositados no piso do auditório, aos pés dos membros, e o malabarismo dos auxiliares para fazer chegar o microfone àqueles que querem falar. 

De forma muito pomposa, a artigo 41 da Portaria nº 146/2006, que aprova o regimento interno da CTNBio, dispõe que a participação na CTNBio não será remunerada, cabendo aos órgãos e instituições nelas representadas prestar ao seu representante todo o apoio técnico e administrativo necessário ao seu trabalho na Comissão. Pergunta-se: o que foi efetivamente feito para compensar e motivar os órgãos e instituições de origem dos membros para a observância desse artigo 41? O que foi feito para motivar os membros? Os pareceres emitidos na CTNBio somam pontos no currículo dos pesquisadores? Os representantes de Ministérios na CTNBio têm dedicação exclusiva ao tema biossegurança de OGM ou simplesmente acumularam mais uma função?

O reflexo desse descompasso entre o ideal e o que é prática no Brasil está estampado nas páginas da pauta da reunião da Comissão, onde os processos de liberação comercial apresentados em 2003, 2004, 2005 e 2006 estão aguardando avaliação. Sendo que, desses processos, boa parte são produtos biotecnologicamente defasados se comparados aos que estão sendo lançados em países desenvolvidos. Está estampado também em instrumentos normativos que compõem o arcabouço legal aplicado à biotecnologia moderna, como é o caso do Decreto nº 4.680/03, por meio do qual o Presidente da República, considerando relevante, exige rotulagem especial para informar que este presunto ou aquela lingüiça foram produzidos a partir de animais alimentados com ração que continha ingrediente transgênico. Como deverá ser o rótulo da lingüiça quando um frango for alimentado na primeira quinzena de vida com ração contendo milho geneticamente modificado e no restante de seu ciclo de vida com ração contendo milho convencional? Será necessário informar ao consumidor que aquela lingüiça foi produzida com frango que foi parcialmente alimentado com ração que continha ingrediente transgênico?

Decididamente o Poder Executivo muito está contribuindo para semear as sementes do atraso no terreno fértil e promissor de uma biotecnologia que é moderna.

Reginaldo Minaré

Advogado e Diretor Jurídico da ANBio

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