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A caótica regulamentação do acesso aos recursos genéticos no Brasil


Reginaldo Minaré

Prestes a sediar a Conferencia das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, o Brasil patina na administração do acesso ao patrimônio genético. Linha normativa desenvolvida a partir da Convenção da Diversidade Biológica – CDB, documento que é considerado como um legado da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - Rio-92.

O Congresso Nacional, ao aprovar a Emenda Constitucional nº 32, de 2002, modificando o processo legislativo aplicável às medidas provisórias, patrocinou um improviso legislativo que provoca arrepios naqueles que professam um entendimento mais conservador a respeito do processo de legitimação pela democracia. Ao final da Emenda Constitucional nº 32, os parlamentares decidiram que “as medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional”. Resultado: diversas Medidas Provisórias permanecem válidas até hoje como se leis fossem, mesmo sem terem o mérito debatido pelo Congresso Nacional. Exemplo é a Medida Provisória – MP 2.186-16/2001 que dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, ao conhecimento tradicional associado e a repartição de benefícios. De fato começou errado. O senso de responsabilidade não recomenda que a regulamentação pioneira de um tema complexo seja feita por meio de MP. Menos ainda por uma MP que não cumpriu o rito constitucional exigido para sua aprovação. Evidente, por mais que a sociedade tenha ressalvas quanto ao comprometimento republicano do legislativo federal brasileiro, que mesmo o debate minguado que caracteriza a aprovação de uma MP poderia ter contribuído para melhorar o texto da norma que até hoje disciplina o tema. Entretanto, isso não ocorreu.

Em que pese o fato do procedimento de construção e legitimação da norma que regulamenta o acesso ao patrimônio genético no Brasil possa ser caracterizado como uma gambiarra legislativa, pior foi a sua aplicação pelo Poder Executivo. A atuação do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético – CGEN, colegiado deliberativo e normativo responsável pelas diversas ações previstas na MP 2.186-16/2001, ao longo da década de 2000 foi desastrosa, temerária.

Sabido é que a MP 2.186-16/2001 não é o ideal normativo para o setor. Entretanto, sua aplicação com um mínimo de competência é possível. A MP exige que o CGEN autorize diversas práticas, mas não impõe um rito moroso e burocrático para o procedimento de autorização. O emaranhado burocrático e vagaroso que afugentou empresas, universidades e institutos de pesquisa do CGEN foi construído e cultivado pelo próprio Conselho, e não oriundo da dificuldade de aplicação da MP como tentam argumentar principalmente aqueles que contribuíram para a sua inoperância. Prova disso é que agora os atuais gestores do Colegiado estão “descobrindo” que os procedimentos podem e devem ser mais céleres e menos burocráticos, e que isso pode ser feito sem que a norma em vigor seja modificada. Contudo, essa inoperância do CGEN já provocou grandes prejuízos ao Brasil, por exemplo: um aluno de pós-graduação que pretendia desenvolver pesquisa envolvendo acesso ao patrimônio genético poderia ser impedido de obter a titulação pelo fato de não conseguir a autorização junto ao CGEN, e diante dessa situação ou fazia sua pesquisa sem cumprir o trâmite no Conselho ou não fazia a pesquisa.

Assim, para um grande número de investidores e pesquisadores essa descoberta dos gestores do CGEN chega um pouco tarde. Pouco dispostos a aguardar entre 4 e 6 anos para obtenção de uma autorização que poderia ser emitida em tempo real por meio eletrônico, diversos interessados iniciaram suas pesquisas sem a autorização do Conselho e muitos atualmente tem produtos no mercado. Reconhecendo o problema que esse passivo representa, o Conselho publicou em 2011 a Resolução nº 35 que propõe a regularização de atividades de acesso ao patrimônio genético e/ou ao conhecimento tradicional associado e sua exploração econômica realizadas em desacordo com a MP nº 2.186- 16/2001. Seria até louvável a iniciativa do CGEN se este não estivesse patrocinando mais um improviso normativo. Infelizmente a MP nº 2.186- 16/2001 não prevê a figura da regularização sem a aplicação das penalidades previstas. A exploração econômica de produtos ou processos desenvolvidos a partir de amostra de componente do patrimônio genético ou de conhecimento tradicional acessados em desacordo com o estabelecido pela MP é apenada com multa de vinte por cento do faturamento bruto obtido na comercialização ou de royalties obtidos. Considerando que a MP, na hierarquia das normas, está em patamar mais elevado que a Resolução, a regularização proposta pelo CGEN não é muito interessante, pois a busca de regularização pode representar uma confissão e indicar o caminho para ações da fiscalização e do Ministério Público.

Mesmo ciente desse cenário caótico o Poder Público nada faz. O Congresso Nacional não debate a MP que está em vigor e o Poder Executivo não apresenta soluções. Analisando a situação, até parece que se trata de um tema pouco relevante. Entretanto, estamos falando de um dos mais promissores segmentos da bioeconomia, que vem sendo considerado como estratégico pela maioria dos países desenvolvidos. Diferente de países desenvolvidos que identificam a área como estratégica e atuam pavimentando o caminho normativo necessário ao seu florescimento, o Brasil, em que pese o fato de ter atribuído significativa importância ao tema na Estratégia Nacional de Ciência,Tecnologia e Inovação 2012-2015, nada tem feito de fato incentivar os investimentos no setor. Aqui, para uma empresa que atua na área de inovação desenvolvendo defensivos e fertilizantes biológicos para a agricultura, é mais fácil pesquisar com microrganismos importados do que lançar mão dos recursos genéticos nacionais que não são poucos. Situação semelhante ocorre nas empresas inovadoras das áreas de saúde e cosméticos.

Não bastasse a situação nada exemplar no âmbito doméstico, o Brasil precisará decidir sobre sua participação no Protocolo de Nagoia, norma internacional derivada da CDB que pretende promover a repartição justa e equitativa dos benefícios decorrentes da utilização de recursos genéticos. Mais, precisará decidir se, no âmbito doméstico, prevalecerá a linha normativa estabelecida pelo Protocolo de Nagoia ou a linha normativa desenvolvida pelo Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura - TIRFAA, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura – FAO, Tratado que já foi promulgado pelo Decreto nº 6.476/2008.

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