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“Manel José” veio ao mundo para fazer raiva


Alexander Silva de Resende
Uma vez estava no interior de Pernambuco, numa usina de açúcar e álcool fazendo um trabalho sobre avaliação dos efeitos da queima da palha da cana de açúcar sobre a sua produtividade e sobre características químicas do solo. O trabalho era de longo prazo, iniciado em 1983 e estive lá entre 1996 e 2001, fazendo essas avaliações.

Eu e o técnico da empresa, que era a nossa contraparte lá, chegamos ao restaurante da usina para almoçar, quando nos deparamos com um Senhor de uns 80 anos, com sua calça alinhada, blusa por dentro da calça, reforçando uma silhueta já um pouco alargada pelo tempo e um chapéu de palha, sentado sozinho em frente a uma enorme mesa “coletiva”, num restaurante lotado.
Como não o conhecia e, no afã da juventude, peguei minha comida e me sentei à mesa com o aquele Sr. - Posso? Perguntei eu. À vontade carioca. Respondeu ele sem dizer mais nada e com um tom de desdém. Minha contraparte chegou e se sentou conosco, me apresentado. Seu Manel José esse é o Dr Alex, do Rio de Janeiro. Eu sei. É mais um que veio pegar dinheiro da Usina, né? Respondeu o Sr Manel José. Entendi como brincadeira e comecei a rir, enquanto minha contraparte se apressou em dizer que eu era da Embrapa e estava fazendo um trabalho de pesquisa, avaliando a queima na cana e seus efeitos econômicos, no solo e ambientais. Ele dando mais uma garfada, disse: E aí Dr, tanto tempo que a Embrapa trabalha aqui, então lhe pergunto: manter a palha na cana sem queimar, é bom? Respondi para ele: depende! Se o Sr pensar nos custos da colheita, de forma imediata (naquele tempo toda a colheita era manual e com queima na usina), não. Mas se pensar em longo prazo, considerando que manter a palha melhora o solo, evita a perda de 40 kg de nitrogênio por hectare ano por volatilização, manter a palha é bom.
Ele olhou para mim e falou, é carioca, gostei.  Daí em diante, todo dia ele me esperava para almoçar e bater papo. Todo mundo estranhava, pois morriam de medo dele, que era conhecido por ser direto e ter pouca paciência, o que muitas vezes gerava uma percepção das pessoas que ele era muito grosseiro. Eu gostava de Manel José. Sabia tudo da história da usina, era o homem de confiança do pai do dono, já falecido e se mantinha como homem de confiança do Neto, que já começava a administrar a Usina. E tinha muitas histórias para contar -  e eu adorava isso! 

Passava lá na Usina de 10 a 15 dias por ano. E Manel José sempre estava lá, me esperando para almoçar. Um dia ele me contou o segredo da fama de ser ranzinza. Carioca (só me chamava assim, só que agora carinhosamente), sabe por que as pessoas daqui não gostam de mim? Não seu Manel, não fale isso, todo mundo gosta do Sr. Só que as vezes o Sr pega pesado, né? Disse eu. Pois é carioca, vou lhe contar um segredo. “Manel José” veio ao mundo para “fazer raiva”! Como assim seu Manel? Disse eu. Pois é carioca, quando você faz raiva no cabra, você obriga ele a pensar! E quando ele pensa, ele melhora! Não me importo em ter fama de bravo, mas sei que já ajudei muita gente a refletir, a pensar e a melhorar! Quem fica quieto quando houve besteira é por que não se importa com as pessoas. Eu me importo com todas elas, do cortador de cana ao dono da usina e por isso vou morrer “fazendo raiva” nelas.
Nunca mais voltei a usina e nem ouvi falar mais de Manel José, que se ainda for vivo está centenário e certamente ainda “fazendo raiva” nos outros para que saiam da zona de conforto e cresçam como pessoas e profissionais! Grande Manel José!!!

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