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Controle (manejo integrado) de pragas e doenças em cultivos orgânicos

Leia sobre o manejo integrado de pragas em cultivos orgânicos.


Foto: Canva

O primeiro passo no manejo de pragas em cultivo orgânico é a identificação correta da praga. Porém, também é fundamental identificarmos o porquê da praga estar atacando. Um ecossistema equilibrado dificilmente fica suscetível à populações de pragas, doenças ou plantas daninhas capazes de causar prejuízos significativos em uma população de plantas, já em um ambiente alterado, com recursos naturais e mecanismo de funcionamento do ecossistema afetados, a ocorrência destes indivíduos indesejados é favorecida.

Os insetos muitas vezes se alimentam de plantas espontâneas, e ao mantermos apenas uma cultura em uma área (monocultivo), os insetos podem atacar a cultura de interesse, na falta de plantas de sua preferência.

Este é apenas um dos pontos que favorece a infestação de pragas em uma produção agrícola. Porém, existem diversos outros motivos que favorecem surtos de pragas nas lavouras, como a menor variabilidade genética, menor diversidade de espécies, menor ciclagem de nutrientes, uso de defensivos, etc. Para entender melhor como ocorrem esses fatores influenciam o surgimento de infestações de pragas, doenças e plantas daninhas, clique aqui.

 

Manejo de pragas em cultivos orgânicos

Um manejo sustentável das pragas em produções agrícolas sustentáveis envolve a manutenção da diversidade de espécies de vários nichos no ecossistema. A biodiversidade depende da:

  • diversidade de vegetação, tanto no sistema produtivo como no entorno;
  • permanência de diferentes culturas ao longo do tempo;
  • intensidade do manejo;
  • grau de isolamento ou distância entre sistema produtivo e áreas naturais.

O manejo envolve realizar práticas que promovam os componentes biológicos e suas funções, promovendo a biodiversidade com menor nível de interferência humana. Quanto mais complexo o habitat, mais produtivo e resiliente ele será, e, consequentemente, menores serão as populações de insetos fitófagos (que se alimentam de plantas), devido à maior presença de inimigos naturais.

Assim, nesse quesito, destacamos o uso de consórcios e policultivo, além da manutenção de plantas espontâneas, tanto no entorno quanto dentro da área de plantio. Porém, os consórcios devem ser previamente estudados, buscando utilizar plantas adequadas a cada situação, visando regular as pragas através dos inimigos naturais. A escolha das espécies vegetais depende das necessidades dos inimigos naturais e das culturas em questão. A diversidade deve ser estudada para ser funcional, pois existem casos em que a diversificação do sistema pode não reduzir a abundância de pragas ou até causar efeitos opostos.

 

Diversificação da área

Vamos ler abaixo sobre alguns exemplos de diversificação vegetal:

  • Policultura: é o cultivo simultâneo de diferentes espécies, formando mosaicos de vegetação, onde as pragas encontram maior dificuldade para encontrar plantas hospedeiras. Uma das estratégias é o uso de cultivos armadilhas, em que, após determinada a cultura principal e suas pragas-chaves, planta-se próximo à cultura outras espécies de maior preferência do inseto e menor interesse para o agricultor;
  • Consórcio de culturas: o consórcio é uma associação de culturas, com duas ou mais espécies com diferentes ciclos e arquiteturas crescendo e sendo exploradas simultaneamente. As plantas são arranjadas em forma de parcelas, mosaico, faixas, cultivos mistos, linhas alternadas e culturas de cobertura do solo. O controle de pragas no consórcio é feito por ação direta ou indireta.
    • ação direta: uma cultura associada atua como barreira física e/ou química para a praga, dificultando a localização da cultura hospedeira, reprodução e/ou colonização. Envolve mecanismos como repelência química, mascaramento, prevenção de movimento / imigração das pragas etc.
    • ação indireta: uma cultura associada possibilita o aumento da abundância / diversidade de inimigos naturais das pragas
  • Cobertura viva / plantas de cobertura: as plantas espontâneas que cobrem o solo, além de promover diversos benefícios químicos, físicos e biológicos, podem liberar substâncias alelopáticas que inibem a germinação / desenvolvimento das plantas daninhas, além da possibilidade de favorecer inimigos naturais;
  • Adubos verdes: a adubação verde melhora a ciclagem de nutrientes no solo, proporcionando uma adubação mais equilibrada para a planta. Uma planta equilibrada nutricionalmente é menos atacada por pragas e doenças, e poderá ter melhor competitividade com plantas daninhas. Além disso, adubos verdes podem reduzir a população de nematóides fitófagos no solo, causar efeitos alelopáticos nas plantas daninhas e reduzir a germinação e emergência de sementes dessas espécies;
  • Variabilidade genética: o uso de cultivares geneticamente são boas medidas de controle preventivo de pragas;
  • Rotação de culturas: a rotação de culturas é uma alternativa para controlar pragas especializadas em poucas espécies hospedeiras, além de controlar algumas doenças causadas por fungos de solo. A rotação quebra o ciclo biológico de pragas e patógenos, evitando que essas espécies se espalhem de cultivos mais velhos para os mais novos.
  • Manejo de plantas invasoras: a capina ou o desbaste seletivo também são práticas importantes para o controle de pragas, na medida em que essas plantas podem servir como atrativos para inimigos naturais, além de servir como refúgio para acasalamento e oviposição. Além disso, também tornam o agroecossistema mais complexo e dificultam o encontro da planta hospedeira pelo inseto praga.

 

Entorno do cultivo

A diversificação ambiental no entorno da área cultivada também promove maior diversidade de inimigos naturais e controle biológico, pois essas áreas servem de refúgio  para os inimigos naturais das pragas durante a entressafra. Quando a área de cultivo não está isolada da vegetação natural, as áreas não cultivadas formam, junto com áreas cultivadas, um complexo de habitats ricos em biodiversidade, promovendo um intercâmbio de organismos benéficos, dentre eles, os inimigos naturais das pragas agrícolas, controlando o crescimento populacional dessas espécies indesejadas. Essa técnica pode ser feita de diversas formas:

  • Faixa de vegetação marginal: composta por espécies nativas (plantadas ou de ocorrência natural), sendo árvores, arbustos, plantas herbáceas, etc. São estabelecidas entre o limite do campo cultivado e a área plantada com culturas agrícolas, formando áreas com grande diversidade de espécies, incluindo insetos predadores.
  • Corredores de vegetação / corredor biológico: são constituídos por faixas de vegetação em volta da propriedade, funcionando como conexões entre as áreas cultivadas e áreas de vegetação nativa. Funcionam como "avenidas" para a circulação de diversas espécies, dentre elas, predadores e parasitóides das pragas agrícolas, além de favorecer a biodiversidade de forma geral, que também controla as populações de pragas. Também podem ser usados para dividir talhões de cultivo, atuar como barreiras fitossanitárias (dificultando a circulação de pragas e doenças entre propriedades e entre talhões) etc.
  • Bordas de cultivo: "corredores" ou "ilhas" nas margens das fileiras externas da área cultivada, que também atuam como quebra-vento e barreiras fitossanitárias. Nessas áreas mais marginais da área de cultivo geralmente ocorre um controle biológico natural mais intenso das pragas.

 

Outras práticas

A cultura deve ser plantada de modo que o seu estádio mais suscetível às pragas não coincida com alta densidade populacional da praga. Isso pode ser feito alterando a época de plantio, usando variedades precoces etc. Porém, existem diversos casos em que as condições favoráveis ao cultivo da planta coincidem com a melhor condição para o desenvolvimento da praga, neste caso, adota-se outras medidas de controle.

Outra prática interessante é a adubação orgânica feita com materiais como esterco animal, vermicomposto, biofertilizantes, compostos fermentados etc., ricos em macro e micronutrientes, organismos úteis, antibióticos naturais etc. Os adubos orgânicos melhoram as condições do solo, e liberam nutrientes de forma mais gradual do que fertilizantes químicos, proporcionando uma adubação equilibrada para a planta ao longo do tempo, o que melhora a resistência às pragas. Estudo feito por Medeiros et al. (2009) aponta a preferência da traça do tomateiro por ovipositar em plantas adubadas com fertilizantes químicos.

A irrigação também possui grande importância na ocorrência de algumas espécies de insetos pragas. Hortaliças exigem altos volumes de água, e a frequência entre regas, lâminas de água e método de irrigação influenciam na remoção de formas jovens e podem afetar insetos adultos na superfície da planta.

 

Controle biológico de pragas 

O controle biológico tenta restabelecer as interações complexas entre as pragas e seus respectivos naturais que ocorrem naturalmente em um ecossistema, mas se perdem num agroecossistema. Ocorre quando uma espécie, que pode ser predadora, parasitóide ou patógena, limita o desenvolvimento de outra (organismo-praga). O controle biológico pode ser conservativo ou aumentativo:

  • Controle biológico conservativo: busca manter, preservar e aumentar uma população de inimigos naturais de uma praga. É feita uma manutenção de plantas espontâneas, que atraiam inimigos naturais, dentro e em volta dos plantios. Podem ser feitas modificações do microclima, plantio de barreiras e corredores de vegetação etc. Devem ser utilizadas espécies de interesse dos inimigos naturais de interesse. É uma técnica barata, mas que envolve amplo conhecimento de práticas agrícolas;
  • Controle biológico aumentativo: é feito introduzindo inimigos naturais na área para o controle de pragas específicas. Pode ser inoculativo ou inundativo:
    • Inoculativo: é feito liberando inimigos naturais no ambiente para que estes se reproduzam e controlem populações de pragas durante longo período (mas não permanentemente);
    • Inundativo: os inimigos naturais são liberados em grandes quantidades para que o controle das pragas seja imediato. Possui menor efeito a médio / longo prazo.

 

Defensivos alternativos

Existem defensivos alternativos aos agrotóxicos, formulados ou de produção caseira, que funcionam como medidas curativas para o controle de pragas, e não são prejudiciais ao meio ambiente e à saúde de plantas, além de não favorecer a ocorrência de pragas. Podem ser divididos em:

  • protetores: atuam diretamente no controle de pragas, como por exemplo feromônios, agentes de controle biológico etc;
  • fertiprotetores: biofertilizantes que fornecem nutrientes às plantas e melhoram seu processo metabólico, como por exemplo biofertilizantes, vermicompostos etc. Uma planta equilibrada nutricionalmente é menos atacada por pragas.

Para ler mais sobre o uso e preparo de defensivos alternativos, clique aqui!

Além dos defensivos alternativos, podem ser usados também armadilhas de coleta como armadilhas luminosas, iscas atrativas etc.

 

Anderson Wolf Machado - Engenheiro Agrônomo

 

Referências:

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