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Milho: As oportunidades estão na mesa, mas a concorrência também

Confira análise sobre a situação da cultura



Por *Rubens Augusto de Miranda e João Carlos Garcia

Situação Mundial

No que se refere ao comércio mundial de milho, o ano de 2011 foi especial, sinalizando algumas tendências. Na safra 2011/2012, pela primeira vez em 30 anos os Estados Unidos terão um market share inferior a 50% do total de milho exportado. A participação norte-americana no mercado mundial de milho é projetada para 45,5%, cerca de 43,2 milhões de toneladas de milho. Esse resultado poderia ter sido pior, pois a previsão de janeiro era de 41,9 milhões de toneladas a serem exportadas. A diminuição das vendas de milho pelos Estados Unidos é um fato intrigante, pois segundo projeções do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) as exportações norte-americanas aumentariam progressivamente até 2020/2021, com um market share estável entre 52% e 53%. Entretanto, o que se observa nas três últimas safras é o caminho inverso: as exportações estão diminuindo e, com isso, a participação no mercado.

O principal motivo da menor disponibilidade de milho norte-americano para exportação decorre da utilização do mesmo como matéria-prima para produção de etanol (segundo uma abordagem mais recente, de etanol e de DDGS, um resíduo da produção de etanol a partir do milho que é utilizado na alimentação animal). Atualmente, 41% do consumo doméstico do milho nos Estados Unidos são direcionados para a produção de etanol, podendo chegar a 43% em 2020. O crescimento acentuado da produção de etanol nos Estados Unidos tem a legislação federal como responsável, por causa da Lei de Política Energética de 2005 e da Lei de Independência Energética e Segurança (EISA) de 2007. A EISA 2007 determinou que 15 bilhões de galões de etanol feito com milho sejam incorporados aos combustíveis de transporte até 2015, sendo que em 2010 foi atingida a marca de 13,2 bilhões de galões.

O aumento da demanda por milho acima do aumento da produção tem deixado os níveis dos estoques globais perigosamente baixos. A relação estoque/consumo global de milho, que era de 29,3% na década de 1990, passou para 19,2% na década seguinte e, na safra 2009/2010, chegou a 15,8%. No caso dos Estados Unidos, a situação é ainda mais crítica, pois essa relação está beirando os 7% na safra 2011/2012, enquanto era de 15% há apenas duas safras. A diminuição dos estoques de milho a níveis críticos diminui a margem de manobra dos EUA para voltar a aumentar, consideravelmente, a sua participação no comércio mundial, pelo menos no curto prazo.

Esses acontecimentos no mercado de milho nos Estados Unidos são de grande relevância, pois o país se constitui no principal player no mercado global da cultura. Assim, se de um lado há o delineamento da diminuição, ou pelo menos uma estabilidade, das exportações norte-americanas, de outro o consumo mundial e a demanda de importações aumentarão nos próximos anos. A expectativa do USDA é de as importações mundiais de milho aumentarem em mais de 40 milhões de toneladas na próxima década. Esse cenário abre uma série de oportunidades de negócios para os demais players mundiais de milho. Atualmente, existem quatro grandes exportadores de milho no mundo. Ao lado dos Estados Unidos, estão a Argentina, a Ucrânia e o Brasil, sendo que os dois últimos estão se firmando como grandes fornecedores somente em safras recentes.

A Argentina, no início de dezembro, projetava uma safra recorde de milho de 29 milhões de toneladas, mas as altas temperaturas e a seca durante o período de polinização no final de dezembro e no início de janeiro tiveram efeitos adversos sobre o resultado da safra. Em janeiro, relatórios já apontavam para uma redução de 3 milhões de toneladas. No entanto, informações mais recentes indicam uma safra inferior a 22 milhões de toneladas, ficando no patamar dos níveis históricos do país. Assim, a expectativa, em fins de 2011, era de queda nas exportações de 18,5 milhões de toneladas para 14 milhões. Apesar da safra argentina não ter quebrado de maneira recorde, expectativas favoráveis estão sendo criadas para as próximas safras, pois o país lançou no final de 2011 o Plan Estratégico Alimentario Y Agroindustriario Participativo Y Federal, com metas ambiciosas para todos os setores do agronegócio até 2020. No que tange ao milho, a expectativa é alcançar a produção de 45,9 milhões de toneladas.

A Ucrânia, na safra 2011/2012, deu continuidade ao crescimento vertiginoso da produção e da exportação de milho. O país produziu e exportou na safra 2006/2007, respectivamente, 6,4 milhões e 1 milhão de toneladas, enquanto que as projeções de fevereiro apontam uma produção de 22,5 milhões de toneladas, sendo que 14 milhões foram exportados. Em apenas algumas safras, a produção ucraniana de milho aumentou 250% e as exportações do produto aumentaram 1.300%. A despeito das grandes taxas de crescimento, a produtividade agrícola da Ucrânia ainda é relativamente baixa, algo em torno de 35% do obtido no Oeste da Europa.
 
Surpreendente para um país que possui alguns dos solos mais férteis do planeta. Segundo o USDA, o aumento da abertura econômica, maiores investimentos na agricultura e um uso mais amplo de sementes híbridas devem favorecer o aumento de produção. Os números ucranianos impressionantes são potencializados pelo fato de que o país está localizado entre alguns dos principais mercados consumidores (União Européia e Leste Asiático), o que o credencia a aumentar ainda mais as suas exportações.

O Brasil, a princípio, tem começado a fazer o dever de casa. Apesar das condições climáticas desfavoráveis no Sul do país, a safra 2011/2012 deverá ser recorde, chegando a 61 milhões de toneladas. Por possuir uma grande demanda doméstica pelo milho, ao contrário dos dois concorrentes anteriores, a produção recorde brasileira não foi suficiente para aumentar o excedente exportável de forma considerável. Portanto, o país terá que aumentar a sua produção de uma forma mais robusta e acentuada para satisfazer, na próxima década, não apenas ao aumento da demanda externa, mas também da demanda interna de milho.

Os dois concorrentes diretos do Brasil para preencher o vácuo deixado pelos Estados Unidos estão lançando mão de grandes esforços para aumentar a produção. Para um melhor entendimento de como esses países concorrem entre si, é preciso analisar os mercados consumidores atendidos por cada um. Assim, inicialmente vejamos onde se encontram as importações mundiais de milho.

Mercados Importadores

O maior mercado importador do mundo é o Leste da Ásia, com importações que totalizaram quase 32 milhões de toneladas no decorrer da safra 2011/2012. Os países que mais se destacam nesse mercado são o Japão (16,1 milhões de toneladas), a Coréia do Sul (8 milhões de toneladas) e Taiwan (4,4 milhões de toneladas). Além de já ser a maior região importadora do mundo, a expectativa é que suas compras aumentem ainda mais com o advento da China como grande compradora.

A segunda maior região importadora de milho é o Norte da África. As importações da região têm beirado os 12 milhões de toneladas, com destaque para o Egito, que importou 6 milhões de toneladas em 2011. A região seguinte, em termos de volume importado, é o Oriente Médio, cujas compras no mercado internacional têm oscilado entre 10 e 11 milhões de toneladas. Os dois maiores importadores de milho no Oriente Médio são o Irã e a Arábia Saudita, que adquiriram no mercado externo, respectivamente, 3,5 milhões e 2 milhões de toneladas na safra 2011/2012.

A América do Norte e a América do Sul também se destacam pelo volume das importações, 11 e 9 milhões de toneladas respectivamente, mas se distinguem das demais regiões importadoras do mundo por terem a sua demanda suprida por países que pertencem a essas regiões. Por fim, o Sudeste Asiático importa na faixa de 7 milhões de toneladas. Nessa região, a Malásia merece destaque, importando 3,3 milhões de toneladas na safra 2011/2012. A União Europeia eventualmente aumenta o quantum de importações de milho por decorrência de quebras de safra nos seus países produtores, como nas safras de 2007/2008, na qual importou 14 milhões de toneladas, e em 2010/2011, quando importou 7 milhões.

Uma característica importante é que todos os referidos países exportam para diversas partes do mundo, não se restringindo a mercados regionais específicos. Nesse sentido, quem são os principais parceiros comerciais desses players? Os principais compradores do milho argentino são Argélia, Egito, Colômbia, Peru, Chile, Irã, Arábia Saudita, Iêmen e Malásia. Por esse grupo de países, vemos que o foco das exportações argentinas são a América do Sul, o Norte da África, o Oriente Médio e o Sudeste Asiático, ficando fora do maior mercado do mundo, que á o Leste Asiático. No que tange à Ucrânia, apesar do país se situar entre grandes mercados, como a União Europeia e o Leste Asiático, exporta pouco para essas regiões. Até o momento, o foco das exportações ucranianas é o Norte da África e o Oriente Médio, tendo como principais parceiros Argélia, Egito, Líbia, Tunísia, Irã e Israel. Entretanto, é importante ressaltar que as informações relativas aos destinos das exportações ucranianas na última safra ainda não estão disponíveis. O aumento considerável no quantum exportado, passando de 5 para 14 milhões de toneladas, pode ter resultado numa maior diversificação.

Ao longo da última década, o Brasil se estabeleceu como grande exportador de milho. Adicionalmente à maior quantidade de exportações, o país também diversificou o destino das mesmas. Nesse período, houve dois grandes parceiros comerciais, o Irã e a Coréia do Sul, que, juntos, quase sempre garantiram entre 2 e 3 milhões de toneladas exportadas. Até 2007, maiores quantidades exportadas eram resultantes de problemas pontuais nas safras dos países produtores da União Europeia. Contudo, a partir de 2008 o país passou a diversificar as suas exportações, inicialmente vendendo para países do Norte da África e posteriormente para vizinhos sul-americanos, países do Sudeste Asiático e consolidando a sua posição de fornecedor para o grande mercado do Leste da Ásia, com vendas para Japão e Taiwan. Ou seja, o país tem adentrado em mercados que a Argentina e a Ucrânia ainda não acessaram, apesar de que essa última também passou a exportar quantidades consideráveis para o Japão. Essa brecha no mercado do Leste Asiático se deve à diminuição das exportações americanas para a região, mas os Estados Unidos ainda continuam dominando amplamente esse mercado.

Para finalizar esta análise, cabe ressaltar que, ao comparar o Brasil com a Argentina e a Ucrânia, os dois últimos vêm sofrendo frequentemente com restrições nas exportações, decorrentes de imposições dos seus governos para regular a oferta interna de milho. O governo brasileiro, ao contrário, por não interferir, de forma restritiva, nas negociações comerciais internacionais de milho, credencia o país a se tornar um fornecedor com maior estabilidade na oferta do produto, quando comparado com esses dois concorrentes. Mas é importante lembrar que Argentina e Ucrânia estão se movimentando politicamente para aumentar a sua produção e angariar mercados. Por isso, o Brasil não deve ficar na inércia, esperando que as forças de mercado e da natureza resolvam os nossos problemas, pois as oportunidades estão na mesa e não podemos perder o bonde e, consequentemente, a refeição.
 
*Pesquisadores da área de economia agrícola da Embrapa Milho e Sorgo
 
As informações são do Boletim Informativo do Centro de Inteligência do Milho - Ano 5 - Edição 48 - Abril de 2012.
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