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Em defesa da aplicação da Lei de Biossegurança e da CTNBio.



Reginaldo Minaré

 

Em sua reunião mensal realizada nos dias 17 e 18 de maio de 2006, os membros da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio e sua presidência foram surpreendidos com uma comunicação assinada pela Subprocuradora-Geral da República da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão – Meio Ambiente e Patrimônio Cultural, informando que a 4ª Câmara decidiu, em reunião realizada no dia 15 de fevereiro de 2006, designar um de seus integrantes para acompanhar as Reuniões Ordinárias e Extraordinárias da CTNBio.

 

A iniciativa da coordenação da 4ª Câmara de acompanhar as reuniões da CTNBio, considerando a polêmica que envolve a matéria objeto de atuação da Comissão, sem dúvida é louvável. Entretanto, a forma como foi realizada é simplesmente lamentável e carece de evidente amparo legal.

 

A Lei nº 11.105/05, Lei de Biossegurança, reformulou a composição da CTNBio e nela o legislador não entendeu necessário a presença de um representante do Ministério Público. De acordo com a composição definida pelo artigo 11 da Lei 11.105/05, o Ministério Público Federal não tem assento nem voz na CTNBio.

 

Com relação à presença de representantes de órgãos e entidades integrantes da administração pública federal nas reuniões da Comissão, o § 9º do artigo 11 da citada lei estabelece que estes órgãos e entidades poderão solicitar participação nas reuniões da CTNBio para tratar de assuntos de seu especial interesse, sem direito a voto.

 

O Decreto nº 5.591/05, que regulamenta a Lei 11.105/05, reproduz o texto do § 9º do artigo 11 da mencionada lei em seu artigo 25, e no parágrafo único deste artigo 25 exige que a solicitação seja encaminhada à Secretaria-Executiva da CTNBio, acompanhada de justificação que demonstre a motivação e comprove o interesse do solicitante na biossegurança de OGM e seus derivados, para posterior deliberação da Comissão.

 

Considerando que tanto a Lei 11.105/05 quanto o Decreto que a regulamentou foram publicados em 2005 e entraram em vigor no mesmo ano, conclui-se que o Ministério Público Federal deveria ter cumprido o que exige a citada lei, ou seja, solicitado sua participação.

 

De fato, o que determina a Lei de Biossegurança foi ignorado. O Ministério Público não solicitou sua participação e sim comunicou sua participação, fundamentando seu ato no § 2º do artigo 6º da Lei Complementar 75/93, que trata da organização, das atribuições e do estatuto do Ministério Público da União. Este § 2º dispõe que “a lei assegurará a participação do Ministério Público da União nos órgãos colegiados estatais, federais ou do Distrito Federal, constituídos para defesa de direitos e interesses relacionados com as funções da Instituição”.

 

O referido § 2º é claro ao dizer que “a lei assegurará”. Assim, caso a coordenação da 4ª Câmara efetivamente pretendesse fundamentar seu ato neste § 2º, deveria citar a lei que regulamentou o dispositivo.  Visto que o § 2º do artigo 5º da mesma Lei Complementar 75/93, estabelece que “somente a lei poderá especificar as funções atribuídas pela Constituição Federal e por esta Lei Complementar ao Ministério Público da União, observados os princípios e normas nelas estabelecidos”.

 

Caso a própria Lei Complementar 75/95 garantisse a participação do Ministério Público da União nos órgãos colegiados estatais, federais ou do Distrito Federal, teria o legislador redigido o § 2º do artigo 6º de outra forma. Por exemplo: teria dito que “esta lei garante a participação do Ministério Público da União” e não “a lei garantirá”.

 

Evidente, portanto, que a Lei Complementar 75/93 exige que outra Lei regulamente a função prevista no § 2º do artigo 6º.

 

Cabe ainda ressaltar, que o § 1º do artigo 6º da Lei Complementar 75/93 estabelece que será assegurada a participação do Ministério Público da União, como instituição observadora, na forma e nas condições estabelecidas em ato do Procurador-Geral da República, em qualquer órgão da administração pública direta, indireta ou fundacional da União, que tenha atribuições correlatas às funções da Instituição. Assim, caso a Coordenação da 4ª Câmara pretendesse avocar o § 1º do artigo 6º e não o § 2º do artigo 6º para garantir a participação do Ministério Público da União como instituição observadora nas reuniões da CTNBio, deveria ter fundamentado sua pretensão neste dispositivo e também no ato do Procurador-Geral da República que estabelece a forma e as condições dessa participação.

 

Diante do que até aqui foi observado, resta claro que a ação da 4ª Câmara do Ministério Público Federal possui alicerce de adobe e não resistirá às turbulências que uma análise rigorosa de sua legalidade poderá provocar. Pois, além de não observar o disposto na Lei Complementar 75/93, sua ação desconsiderou totalmente o que é estabelecido pela Lei nº 11.105/95, que é uma lei especial e posterior à Lei Complementar 75/93.

 

Cabe ressaltar também, que a ação da 4ª Câmara, caso seu representante exija ter assento e voz no Colegiado, poderá ser ainda mais danosa do ponto de vista legal. Pois, nos temos da Lei 11.105/05, o Ministério Público não tem assento nem voz na Comissão.

 

Outro aspecto a destacar é que o Ministério Público Federal, em respeito à instituição CTNBio e aos membros que a integram, deveria primeiro ter solicitado sua participação. Caso esta fosse negada, a instituição poderia procurar garantir sua presença nas reuniões do Colegiado por meio da força da Lei.

Por outro lado, se a pretensão do Ministério Público fosse fiscalizar a regularidade administrativa da CTNBio, deveria ter atuado na esfera administrativa e não no corpo científico do Colegiado. O artigo 16 do Decreto 5.591/05 dispõe que a CTNBio contará com uma Secretaria-Executiva, cabendo ao Ministério da Ciência e Tecnologia prestar-lhe o apoio técnico e administrativo. Assim, qualquer fiscalização na área administrativa, deve ser realizada no âmbito da Secretaria-Executiva da CTNBio e do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Contudo, se a dúvida do Ministério Público Federal com relação à atuação da CTNBio consistir em questões científicas, o melhor caminho é o órgão solicitar estudos científicos de pesquisadores com competência na área. A simples presença de um de seus integrantes no Colegiado, certamente não será suficiente para levar luzes ao Ministério Público a ponto de desfazer a dúvida existente.

Concluindo, o desconforto demonstrado pelo Presidente da CTNBio, que foi noticiado pela imprensa escrita, deve ser referendado pelos membros da Comissão e endossado pela comunidade científica. Inclusive, uma ação junto ao Procurador-Geral de Justiça e ao Corregedor-Geral do Ministério Público é imperiosa, tanto para esclarecer a legalidade da ação da 4ª Câmara quanto para definir a forma de participação do representante do Ministério Público nas reuniões da CTNBio, visto que, nos termo da Lei de Biossegurança, o órgão não possui assento nem voz na Comissão e não é admissível que a interpretação de representantes do Ministério Público altere o que o Parlamento estabeleceu.

 

 

 

Brasília, 20 de maio de 2006.

 

 

Reginaldo Minaré

Advogado e Diretor Jurídico da ANBio.

 

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