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Decreto de rotulagem de OGMs e derivados: um convite ao descumprimento.



Reginaldo Minaré

 

Dispõe o artigo 40 da Lei 11.105/05, Lei de Biossegurança, que os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismo geneticamente modificado - OGM ou derivados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos, conforme regulamento.

Publicada no Diário Oficial da União – DOU no dia 28 de março de 2005, a Lei de Biossegurança, por força do disposto em seu artigo 41, entrou em vigor na data de sua publicação.

Todavia, o Governo Federal não elaborou o regulamento previsto no artigo 40 e, até o momento, a matéria continua sendo disciplinada pelo Decreto n° 4.680, de 24 de abril de 2003, pela Portaria n° 2.658, de 22 de dezembro de 2003, do Ministério da Justiça, e pela Instrução Normativa Interministerial nº 1, de 1º de abril de 2004. O Governo ter mantido a regulamentação existente não representaria um problema desde que a estrutura normativa mantida demonstrasse ser eficiente e não apresentasse ponto de conflito com a nova Lei de Biossegurança. Entretanto, isso não é o que ocorre com relação à regulamentação infralegal de rotulagem de OGMs e derivados.

No que diz respeito à eficiência do Decreto nº 4.680/03, pelo que é exigido em seu texto e o que é conhecido na prática, pode-se afirmar que está longe de ser o ideal.

O Decreto nº 4.680/03 cria um verdadeiro convite ao seu descumprimento quando estabelece, em seu artigo 3º, que os alimentos e ingredientes produzidos a partir de animais alimentados com ração contendo ingredientes transgênicos deverão trazer no painel principal, a seguinte expressão: (nome do animal) alimentado com ração contendo ingrediente transgênico ou (nome do ingrediente) produzido a partir de animal alimentado com ração contendo ingrediente transgênico.

Certamente será difícil encontrar hoje no Brasil um proprietário de restaurante que tenha condições de informar seus clientes se a carne utilizada em determinado prato procede de um frango, vaca ou porco que foi alimentado com ração que continha ingrediente transgênico. O mesmo pode ser dito com relação ao proprietário de um frigorífico, que muito dificilmente terá condições de informar seus clientes a respeito do fato dos animais abatidos terem ou não sido alimentados com ração que continha algum ingrediente transgênico.

Difícil, portanto, será para o setor produtivo construir e manter funcionando um sistema de rastreabilidade que seja eficiente a ponto de garantir que esse tipo de informação chegue ao consumidor no rótulo da salsicha, da calabresa ou do peru de natal. Qual o custo da criação e manutenção desse sistema de rastreabilidade? O consumidor está disposto a pagar o custo desse sistema para ser informado se o animal que deu origem àquela salsicha, mortadela ou calabresa foi alimentado com ração que continha algum ingrediente transgênico? Quando o importador brasileiro importar carne da Argentina, peixe do Chile ou patê de fígado de ganso da França, terá condições de exigir as informações necessárias sem pagar mais pelo produto importado?

Na União Européia, por exemplo, os produtos obtidos a partir de animais alimentados com alimentos geneticamente modificados ou tratados com medicamentos geneticamente modificados não estão sujeitos à rotulagem especial como no Brasil.

Além do que é exigido pelo artigo 3º do Decreto 4.680/03, o caput do artigo 2º do mesmo Decreto estabelece que os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGMs, com presença acima do limite de um 1% do produto, o consumidor deverá ser informado de sua natureza transgênica. O critério para verificação do limite de 1% é, nos termos da Instrução Normativa Interministerial nº 01/04, a quantificação do Ácido Desoxirribonucléico - ADN inserido ou da proteína resultante da modificação genética ou, ainda, de outras substâncias oriundas da modificação genética, por métodos de amostragem e de análise reconhecidos pelos órgãos competentes. A maneira de informar o consumidor é rotular os produtos embalados e a granel ou in natura, na embalagem ou no recipiente em que estão contidos deverá constar, em destaque, no painel principal e em conjunto com os símbolos definidos pelo Ministério da Justiça - MJ, com uma das seguintes expressões, dependendo do caso: (nome do produto) transgênico, contém (nome do ingrediente ou ingredientes) transgênico(s) ou produto produzido a partir de (nome do produto) transgênico. Os símbolos definidos pelo MJ são:

Cabe ainda ressaltar que ao que é exigido pelo caput do artigo 2º, deve ser acrescentado o que é estabelecido pelo § 2º do referido artigo. Esse dispositivo dispõe que o consumidor deve ser informado também sobre o nome da espécie doadora do gene no local reservado para a identificação dos ingredientes. Ademais, nos termos da Instrução Normativa Interministerial nº 01/04, pode-se ainda acrescentar o nome comum da espécie doadora, quando este nome for inequívoco.

Dessa forma, um fubá feito a partir de milho geneticamente modificado, deverá trazer na sua embalagem, rótulo contendo as seguintes informações adicionais: "produto produzido a partir de milho geneticamente modificado"; um dos o símbolos definidos pelo MJ; e o nome da espécie doadora do gene responsável pela modificação expressa do OGM, que poderá ser, por exemplo: Agrobacterium sp., Bacillus thuringiensis kurstak, ou Arabidopsis thaliana. Vale observar que se no processo de beneficiamento do fubá, mais de um evento de milho geneticamente modificado for utilizado, o rótulo terá que trazer todos os nomes das espécies doadoras dos genes.

Cumpridos todos os procedimentos acima mencionados, pode-se até afirmar que ficará fácil para o proprietário de uma padaria informar seus clientes a respeito da característica do fubá que ele utilizou para fazer o bolo de fubá que colocou à venda.

No que diz respeito à legalidade, pelo fato da Lei de Biossegurança exigir rotulagem especial para os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivado, o Decreto nº 4.680/03 caminha para o campo da ilegalidade quando exige rotulagem de produtos produzidos a partir de animal alimentado com ração contendo ingrediente transgênico, visto que um animal, só pelo fato de ter comido ração com ingrediente transgênico, não será classificado como geneticamente modificado nem como derivado. 

Concluindo, resta claro que o Decreto nº 4.680/03 não criou um sistema inteligente de rotulagem para os OGMs e seus derivados.

 

 

Reginaldo Minaré

Advogado e Diretor Jurídico da ANBio

[email protected]

 

 

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