CI

A Produção Agropecuária no Brasil é uma Produção Sistemática e aproveita bem seu potencial competitivo?



Reginaldo Minaré

Originária do grego systema, a palavra sistema foi empregada pelo médico e filósofo grego Sexto Empírico (180?-214? d.C.) para designar o conjunto das premissas e da conclusão de um enunciado ou o conjunto das premissas. Na filosofia, a palavra permaneceu e é muito utilizada para indicar um discurso organizado dedutivamente, isto é, um discurso onde do todo podemos extrair as partes. Immannuel Kant, na obra "Crítica da razão pura", afirma ser um sistema um todo organizado finalisticamente e articulado, e não uma totalidade amontoada.

Atualmente, a palavra sistema é utilizada para designar uma série de conjuntos organizados, por exemplo, utiliza-se expressões como sistema tributário, sistema jurídico, sistema de saúde e sistema de produção para indicar o conjunto organizado dos instrumentos e atividades de cada tema. Em nossos dicionários, são freqüentemente encontradas definições de sistema indicando ser este um conjunto de idéias logicamente organizadas, um conjunto de regras ou leis que fundamentam uma determinada ciência ou a organização de um conjunto de objetos numa ordem tal que torna mais fácil sua observação e estudo.

Diante do que foi observado, pode-se colocar a seguinte indagação: as formas de produção na agricultura e na pecuária brasileiras podem ser consideradas sistemáticas? Ou seja, são organizadas e funcionam de forma ordenada ou metódica?

Analisando o questionamento de forma rápida e sem muita profundidade, pode-se até afirmar que sim. Todavia, se acrescentarmos à reflexão a questão acerca de ser esses sistemas competitivos ou não, tanto com relação ao mercado interno quanto com relação aos mercados externos, certamente agregaremos um componente que pela sua complexidade muito poderá influenciar a resposta. Pois, pelo fato de se ter vários sistemas de produção disputando os mercados para seus produtos, a simples sistematização de um sistema produtivo não é suficiente, ele deverá ser sistemático e também competitivo.

Verifica-se que a análise deve ser bastante detalhada sendo que primeiro precisa-se delimitar o tema, definindo o que se entende por produção agropecuária, qual a relação da mesma com a agroindústria e com os sistemas de distribuição e comercialização dos produtos nos mercados interno e externo.

Kant, na obra acima citada, procurando exemplificar seu entendimento a respeito do que seja um sistema, argumenta que um sistema pode crescer a partir do interior, mas não a partir do exterior e, portanto, é semelhante a um corpo animal cujo crescimento não acrescenta qualquer membro mas, sem alterar a proporção do conjunto, torna todos os membros mais fortes e mais aptos às suas finalidades.

Diante das questões colocadas e considerando o caráter fínalístico da produção e o que é necessário, por exemplo, à panificadora ou à dona-de-casa para produzir um bolo de fubá, pode-se dizer que as atividades de produção agropecuária, processamento industrial, distribuição e comercialização dos produtos integram o mesmo sistema ou, no mínimo, que são sistemas distintos mas necessariamente interligados, dependentes e complementares.

Analisando os ingredientes da receita de um bolo, - açúcar, ovos; leite de vaca, leite de coco, margarina, farinha de trigo, fubá e fermento em pó -, verifica-se que a produção agropecuária, o processamento industrial, a distribuição e a comercialização estão presentes nos ingredientes da fórmula. Verifica-se, também, que para tornar possível a produção do bolo, o domínio de várias técnicas, além daquela da produção do bolo, são indispensáveis. Por exemplo, o domínio da técnica de produção do açúcar, dos ovos, do leite de vaca, do leite de coco, da margarina, do fubá, do fermento, e inclusive da técnica de armazenamento e conservação dos mesmos.

A palavra técnica, oriunda do grego technè, significa "ter conhecimento na produção". Indica, com precisão, aquele saber fazer que torna possível produzir determinado produto conhecendo passo a passo o procedimento necessário à realização do feito. Dominar, portanto, a técnica de elaboração de um determinado produto, significa dominar o conhecimento necessário à sua realização, o que garante que o procedimento possa ser repetido e a produção ocorrer de forma controlada e previsível.

Nesse caso, pode-se afirmar que um ingrediente produzido, armazenado ou conservado de forma inadequada poderá comprometer a qualidade do produto final.

Avançando um pouco mais, chega-se a outro elemento relevante da produção: o custo. Considerando que o bolo de fubá é um alimento que pode ser substituído por outro, sem comprometer a boa qualidade nutricional das pessoas, resta claro que ele só será produzido se o custo de produção o tornar competitivo diante dos demais alimentos que possam substituí-lo. Seja devido ao uso de uma técnica de produção ultrapassada ou da dificuldade de distribuição de uma matéria prima, caso o custo de produção de um de seus ingredientes tornar o bolo mais caro que um produto concorrente, poderá deixar de ser produzido, pois o consumidor certamente não o comprará em uma panificadora ou supermercado, nem a dona-de-casa adquirirá os ingredientes para produzi-lo.

Essa lógica de pensamento pode ser aplicada para a produção de uma pizza, do álcool combustível, das carnes, do suco de laranja, dos iogurtes, da borracha, do papel, do queijo, da cachaça, do hormônio de crescimento produzido a partir de um milho geneticamente modificado ou de uma vaca geneticamente modificada.

Fazer, portanto, um estudo do sistema produtivo agropecuário é de fundamental importância para verificar se a produção é sistemática, e se é competitiva o bastante para garantir que o produto interno ganhe da concorrência no mercado doméstico e no mercado internacional.

Por exemplo, a produção de trigo no Brasil é insuficiente para abastecer o mercado interno, a dificuldade com o transporte de cabotagem praticamente inviabiliza a distribuição do trigo produzido na região sul para a região nordeste, abrindo espaço para o trigo produzido em outros países e, além disso, o que é produzido não possui a qualidade desejada para a fabricação de produtos finos. Esta situação efetivamente compromete o potencial nacional para garantir o mercado interno para o produtor doméstico e afasta a possibilidade do produtor nacional conquistar outros mercados, seja vendendo semente, grãos, farinha ou produtos finos.

Diante, portanto, do que até aqui foi argumentado, resta claro que a constante análise dos sistemas de produção e das tecnologias utilizadas, objetivando identificar se estão ou não adequados às exigências impostas pelo competitivo mercado globalizado, atuando para corrigir falha, defasagem tecnológica e identificação de necessidades futuras, é um exercício constante que deve ser realizado não só pelo Governo mas também pelas instituições representativas de setores como agricultura, indústria, transporte e comércio. Nesse último caso, as instituições devem lançar mão do método da transdiciplinaridade, pois o estreito e profundo relacionamento entre esses grandes sistemas não mais permite que seus assuntos sejam tratados de forma compartimentada e isolados, nem superficialmente relacionados. Semelhante ao que vem ocorrendo no mundo acadêmico, onde as disciplinas mesmo mantendo suas características próprias e suas especialidades estão procurando, sob pena de não desenvolverem ou não desenvolverem com a agilidade necessária, manter estreita troca de conhecimentos e até desenvolver metodologias compartilhadas, os setores que pensam as políticas e o planejamento dos sistemas produtivos devem buscar a análise desses sistemas e aperfeiçoar o funcionamento do que pode ser compreendido como um grande sistema ou grupo de sistemas interligados.

 

Reginaldo Minaré

Advogado e Diretor Jurídico da ANBio

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.