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Dia Mundial da Água: Barraginhas plantam água e mudam realidades

As barraginhas são pequenas bacias que captam enxurradas e permitem que a chuva infiltre no terreno, reabastecendo o lençol freático


A água transforma vidas. Para usar este bem tão precioso, o engenheiro agrônomo Luciano Cordoval, da Embrapa Milho e Sorgo (Sete Lagoas, MG), tem uma receita: “primeiro é preciso plantar a água para depois colher os frutos da sua abundância”. Cordoval é coordenador do projeto Barraginhas, iniciado na década de 1990 e atualmente presente em 13 estados e no Distrito Federal. Ele conta que antes, durante 20 anos, retirava água dos mananciais, quando trabalhava com irrigação. “Mas, há 25 anos, eu colho chuva e devolvo água para os rios”, diz, satisfeito.

As barraginhas são pequenas bacias que captam enxurradas e permitem que a chuva infiltre no terreno, reabastecendo o lençol freático. Assim, “plantam água” e mostram ótimos resultados, já comprovados por diversos produtores.

“Antes, a chuva caía e ia embora, deixava a terra sequinha. A enxurrada saía rasgando tudo e ia embora. Hoje não. As chuvas caem, ficam aqui e vão entrando na terra devagarzinho. Então isso aí ajudou. Deu à gente condições de ter esperança e batalhar, trabalhar, plantar. E aqui produzo café, laranja, jabuticaba. Tudo produz aqui. E o meu terreno é num cerrado. Mas a gente foi vendo que é uma natureza e tem que saber conviver com ela. Eu vi que tudo tem recurso e hoje faço parte da agricultura familiar, sou cadastrado”, conta Geraldo Saldanha, produtor rural de Araçaí (MG).

O agricultor lembra que a cisterna usada para abastecer sua propriedade sempre secava. Era preciso aumentar a profundidade do poço para conseguir água ou ir buscar no córrego. Depois da construção das barraginhas, o nível de água da cisterna aumentou bastante. A abundância permitiu abastecer um pequeno lago lonado, usado como reservatório e para criação de peixes.

“O incentivo da Embrapa foi muito importante. Hoje a gente tem um conhecimento que antes não tinha. Vai aprendendo todo dia”, diz o produtor. O projeto coordenado por Luciano Cordoval faz a disseminação das barraginhas e também dos lagos de múltiplo uso. Como o agrônomo explica, após aumentar a disponibilidade de água, a partir da recarga dos lençóis com as barraginhas, é possível “usufruir da abundância”. Assim, são construídos os pequenos lagos, que são impermeabilizados com lona, coberta por uma camada de terra, e abastecidos com a água “cultivada” na propriedade.

Geraldo Saldanha fala dos resultados com satisfação. “A cisterna aumentou as águas. A gente se incentivou e fez o lago de múltiplo uso. Usa a cisterna, enche o lago e a água fica reservada. A gente pega, molha a horta, os pés do pomar. Tudo mudou, as plantas conservam mais e estão produzindo mais. A terra muda totalmente e os córregos também, as nascentes aumentam”.

“Os minadouros renasceram”
Em Sete Lagoas, o produtor João Roberto Moreira, Sr. Betinho, viu o aumento de água nas nascentes transformar sua propriedade. “Fizemos as barraginhas no Betinho há 19 anos e os minadouros renasceram. O sistema revitalizou as nascentes. Betinho desativou a bomba que retirava água do córrego e só usa água da mina”, conta Luciano Cordoval.

“A gente tinha vontade de usar essa água. Isso era meu sonho e o sonho de mamãe. Toda vida teve a mina, mas ela secava. Depois que foi fazendo as barraginhas, ela nunca mais secou. Nunca mais”, fala Sr. Betinho.

Vendo a força da água nos minadouros, o produtor fez ligação de mangueiras, que abastecem por gravidade a casa dele e a do irmão, além do curral e três laguinhos onde criam peixes. “Depois dessa água lá, todo mundo esqueceu bomba, carneiro hidráulico, esqueceu tudo isso. E tá sobrando água no corguinho”, diz, satisfeito.

Familiarizado com os benefícios das barraginhas, Sr. Betinho comenta: “o trem que eu fico mais chateado é quando eu tô andando, tá chovendo, e eu vejo aqueles tocos de enxurrada descendo e vão lá pro córrego fazendo buraco. Agora quando eu vejo a enxurrada entrar numa barraginha tranquila, aquele águão. Vai encher lentamente. Ali segura, e vai sair dela lentamente. É uma bênção. Se não tivesse barraginha, a água ia lá pro córrego fazer enchente”.

Geraldo e Betinho são alguns dos milhares de produtores que vivenciam as transformações proporcionadas pelas barraginhas ao “plantar água” nas propriedades. Eles são dois dos diversos personagens que contam a história dessa tecnologia social no livro que será lançado no próximo dia 25.

Livro resgata história do projeto
A obra “Barraginhas plantando água” é um resgate histórico do projeto. A partir de fotografias e depoimentos, é possível conhecer a disseminação das barraginhas pelo Brasil e se emocionar com as histórias de vidas que foram transformadas pela abundância de água.

Há relatos de casos por todo o País. Luciano Cordoval contou com a parceria do pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo Paulo Eduardo Ribeiro e da fotógrafa Mercedes Lorenzo na produção do livro. Paulo Eduardo conta que a obra oferece uma visão geral do projeto. “Um produtor que foi beneficiado no Vale do Jequitinhonha não conhece a história de outro que está no Pará. As pessoas que participam vão ver a abrangência do trabalho, vão conhecer detalhes da história de tantos lugares a que Luciano já foi”, comenta.

O projeto trabalha a partir da mobilização social das comunidades e estabelece parcerias com associações, sindicatos rurais, cooperativas. Nas reuniões de apresentação, Cordoval destaca a importância de os moradores abraçarem a proposta e serem protagonistas. “Um dos pilares do nosso projeto é fazer com que os produtores entendam que, quando a máquina retroescavadeira entra, eles é que são os técnicos e vão mostrar os pontos onde devem ser feitas as barraginhas”.

Sr. Betinho sabe bem disso. “A pessoa que é dona da propriedade é o melhor professor para indicar os lugares das barraginhas, porque sabe onde a enxurrada corre, onde tem as erosões”, explica.

A partir do envolvimento dos produtores, é possível que o projeto tenha uma abrangência nacional. “Fazemos gestão à distância. Nós treinamos gestores locais que dão sequência ao trabalho. Temos clones regionais. São voluntários que têm DNA bem próximo ao meu”, diz Cordoval.

Além dos impactos gerados pela produção de água, o livro mostra as outras ações que o projeto implementou ao longo dos anos para promover o desenvolvimento social das comunidades atendidas: distribuição de kits de irrigação de hortas, de alevinos para criação de peixes, de miniestufas para produção de mudas e também de computadores para promover a inclusão digital, além da instalação de fossas sépticas biodigestoras para o saneamento básico.

“As ações foram surgindo de forma natural. Foram acontecendo as demandas e procuramos realizar os sonhos de todo mundo”, comenta Cordoval. “O kit irriga-horta nasce para as pessoas não terem de depender do uso de regador. As miniestufas surgem para auxiliar na produção das mudas. Os computadores são também uma ferramenta para as pessoas poderem acompanhar o projeto e se comunicarem. As fossas sépticas foram uma evolução, porque a barraginha recarrega o lençol freático e a fossa negra polui o lençol. Então, é preciso tratar o esgoto para não ter contaminação da água. Ao ir às comunidades, você sempre traz uma inquietação e busca fazer alguma melhoria. Então, hoje, o projeto não é só barraginha. Temos um pacote tecnológico social”, afirma o coordenador.

Saiba mais
O Projeto Barraginhas foi criado pelo engenheiro agrônomo Luciano Cordoval durante a década de 1990. Foi reconhecido e premiado por diversas entidades, como a Fundação Banco do Brasil. Nos últimos nove anos, teve patrocínio da Petrobras, que também financiou a produção do livro “Barraginhas plantando água”.

As barraginhas disseminadas pelo projeto estão presentes no Distrito Federal e em 13 estados: Minas Gerais, Piauí, Ceará, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Goiás, Tocantins, Pará, Sergipe, Bahia e Espírito Santo.

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