CI

Cercosporiose em milho



Nicésio Filadelfo J. de A. Pinto*

*Pesquisador da EMBRAPA Milho e Sorgo.

A mancha por Cercospora, também denominada de cercosporiose do milho, causada pelo fungo Cercospora zeae-maydis e Cercospora sorghi f. sp. maydis, ocorreu severamente no Brasil pela primeira vez no Sudoeste de Goiás (Rio Verde, Jataí, Montividíu, Mineiros) na safrinha de 2000. Atualmente, ainda é uma das mais importantes doenças foliares da cultura do milho nessa região e também no Noroeste de Minas e no Triângulo Mineiro. Sua ocorrência está confirmada nos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul e Bahia.

Os sintomas foliares da cercosporiose são inicialmente em forma de minúsculas lesões irregulares e cloróticas, as quais posteriormente se transformam em lesões alongadas de coloração palha a cinza, sempre limitadas pelas nervuras secundárias e com formato tipicamente retangular. E geral, essa doença se inicia a partir do estádio de oito a dez folhas (próximo ao florescimento), com sintomas concentrados nas folhas baixeiras, os quais sob condições favoráveis alcançam as folhas superiores em cerca de uma semana. Com o progresso da doença, as lesões unem-se formando grande área foliar de tecido morto e, consequentemente, grande redução no índice de área foliar fotossinteticamente ativa, o que contribuirá para a queda da produtividade de grãos.

É necessário enfatizar que as cultivares com alta suscetibilidade à cercosporiose são também mais suscetíveis às podridões de colmo, causadas por Fusarium verticillioides, F. subglutinans, F. graminearum, Stenocarpella maydis e S. macrospora. Por outro lado, cultivares de alta suscetibilidade à cercosporiose, sintomas também poderão ser observados na bainha da folha e nas palhas da espiga. A cercosporiose do milho é capaz de reduzir de 20 a 90% a produção de grãos, dependendo da suscetibilidade do híbrido. Para a safra de 2005/06 foram disponibilizadas para comercialização no Brasil cerca de 237 cultivares de milho. Certamente, as respostas dessas cultivares à cercosporiose poderão variar de alta suscetibilidade à alta resistência a essa doença. A severidade da doença aumenta em condições de alta umidade relativa e temperatura diurna variando de moderada a alta, bem como noites frias com formação de orvalho e, principalmente, quando a temperatura se eleva logo após dias nublados ou chuvosos. Essas condições predominam nas regiões com altitudes superiores a 800m e, principalmente, no plantio de safrinha.

Assim sendo, normalmente, a cercosporiose do milho tem ocorrido com maior intensidade e severidade em lavouras de safrinha do que em lavouras de safra normal. Vários fatores podem estar associados ao aumento na incidência e na severidade da cercosporiose, podendo-se destacar: o plantio direto de milho sobre restos de cultura de milho infectado por Cercospora zeae-maydis e/ou Cercospora sorghi f. sp. maydis e os plantios consecutivos de milho na mesma área durante o ano todo. Esses fungos não são habitantes naturais do solo, tendo assim baixa capacidade competitiva. Em material vegetal infectado deixado na superfície ou incorporado ao solo, a capacidade de sobrevivência de Cercospora zeae-maydis é de aproximadamente dois anos e de seis meses, respectivamente. Por outro lado, os plantios consecutivos de milho têm se constituído em apreciável fonte de inoculo, possibilitando a disseminação de esporos desses fungos à longas distâncias via correntes aéreas, de cultura infectada para cultura sadia. É oportuno ressaltar que, até o presente momento, considera-se que os fungos Cercospora zeae-maydis e Cercospora sorghi f. sp. maydis não são transportados ou transmitidos pelas sementes, uma vez que não são detectados em análise de rotina de sanidade de sementes de milho. Por outro lado, atenção deve ser dada à possível existência de mais de uma raça virulenta de Cercospora zeae-maydis e de Cercospora sorghi f. sp. maydis. Assim, uma cultivar pode ter comportamento diferenciado entre regiões com diferentes raças desses fungos. Também, tem sido verificado que nem sempre há correlação direta entre a severidade da cercosporiose e a redução significativa na produção de grãos de milho.

Do ponto de vista fisiológico, há dois grupos distintos de cultivares de milho em relação ao acúmulo de fotossintatos para o enchimento dos grãos. No primeiro grupo estão aquelas cultivares classificadas como “fonte limitante”, ou seja, qualquer problema relacionado à fonte de fotossintatos (área foliar verde), por exemplo, a cercosporiose, irá comprometer a produção de grãos. No segundo grupo estão as cultivares classificadas como “dreno limitante”. Nesse grupo, a principal fonte de fotossintatos, que são as folhas, não é tão importante quanto no primeiro grupo, porque a principal limitação está localizada no dreno (espiga). Em outras palavras: mesmo com a fonte comprometida por doença, essas cultivares não têm a sua produção reduzida. Salienta-se também, que o “índice de particionamento” é importante nesse caso, pois com as folhas comprometidas, essas cultivares particionam ou drenam para as espigas os fotossintatos acumulados no colmo. Existem cultivares com diferentes índices de particionamento, sendo que quanto maior esse índice, menores serão as reduções na produção de grãos de milho.

No controle da cercosporiose em milho devem-se utilizar medidas de manejo integrado, objetivando a redução da taxa de desenvolvimento da doença, visando maximizar a utilização de áreas sujeitas a epidemias. As seguintes medidas poderão ser adotadas:

a) Conhecimento da distribuição geográfica das duas espécies de cercospora: para a região onde ocorrem as duas espécies devem-se utilizar cultivares de milho de comprovada resistência a ambas; enquanto que para a região onde ocorre apenas uma das espécies de cercospora devem-se utilizar cultivares de comprovada resistência a essa espécie;

b) Monitoramento da doença: a incidência e a severidade da cercosporiose em milho estão influenciadas pelas condições climáticas, suscetibilidade da cultivar, raça do agente causal, pelos sistemas de plantio, manejo cultural, entre outros. Por outro lado, o conhecimento das condições que favorecem essa doença contribui para a previsão de epidemias, para o estabelecimento de mapas de risco e para a adoção de medidas preventivas e de controle. O monitoramento contínuo da dinâmica dessa doença e das mudanças nos fatores bióticos e abióticos pode permitir a determinação espacial e temporal dos níveis de incidência e severidade e da importância econômica da cercosporiose;

c) Rotação de cultura: como as duas raças de cercospora são patógenos exclusivos da cultura do milho e apresentam baixa capacidade de sobrevivência no solo, a rotação com as culturas de soja, sorgo, feijão, entre outras, por um a dois anos, mostra-se como alternativa promissora e econômica. Salienta-se que a sucessão com essas culturas não resolverá o problema da cercosporiose;

d) Rotação de cultivares de milho: do ponto de vista fisiológico, à medida que uma cultivar de milho torna-se dominante nos plantios em uma determinada região, ela poderá estar se direcionando para a autodestruição em relação às doenças. Isso porque a cultivar propiciará a variabilidade na população do patógeno, com o surgimento de raça virulenta deste, quebrando a resistência da cultivar. Assim, a rotação de cultivares poderá evitar a seleção e a multiplicação de novas raças virulentas de Cercospora;

e) Adubações equilibradas: plantas de milho com estresses nutricionais são mais suscetíveis à cercosporiose, como no caso de excesso de nitrogênio ou da escassez de fósforo;

f) Eliminação dos restos de cultura de milho infectados pelo agente causal (Cercospora zeae-maydis e/ou Cercospora sorghi f. sp. maydis);

g) Controle químico: é possível promover o controle desses patógenos através da aplicação de fungicida. A cercosporiose do milho apresenta um alto grau de variabilidade espacial e temporal. Essa variabilidade causa incertezas na tomada de decisão acerca das medidas de controle, como o uso de fungicidas. Estudos visando o controle químico de Cercospora zeae-maydis indicam que a utilização de fungicida é economicamente viável somente em híbridos muito suscetíveis ou em campo de produção de sementes de milho, de produção de milho pipoca e de milho doce.

Um programa de aplicação de fungicida deve-se iniciar quando a doença está em níveis muito baixos (1% ou menos de área foliar afetada). Quando as condições são favoráveis para a doença recomenda-se mais de uma aplicação. Os produtos mais efetivos contra a cercosporiose do milho são os fungicidas sistêmicos dos grupos dos benzimidazóis (carbendazim, tiofanato metílico) e triazóis (propiconazol, tebuconazol, difenoconazol, epoxiconazol). Mais recentemente compostos de estrobilurinas (azoxistrobina, trifloxistrobina, piraclostrobina) têm-se demonstrado efetivos. Trabalho realizado pela Embrapa Milho e Sorgo mostra que os fungicidas propiconazol, difenoconazol, tebuconazol e azoxystrobina foram eficientes no controle da cercosporiose (Cercospora zeae-maydis) do milho e que os tratamentos fungicidas garantiram a produção de grãos, sendo que a maior diferença percentual foi de 38,9% em relação à testemunha sem fungicida. A primeira pulverização foi realizada em plantas com oito folhas bem desenvolvidas, e a segunda, no estádio de pré-florescimento.

No Brasil, até o presente momento, apenas um fungicida está registrado no MAPA para controle da cercosporiose. Entretanto, diversas pesquisas brasileiras mostram que outros ingredientes ativos são também eficientes no controle dessa doença, com expressivos ganhos no rendimento de grãos. Tais pesquisas são importantes para conter o avanço dessa doença para outras áreas do país.

 

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.