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O clima está mudando; a alimentação e a agricultura também


Opinião Livre
Antonio Carlos Moreira*
O alerta talvez continue a encontrar ouvidos moucos de governantes da maioria dos países. De todo modo, a causa justifica a obstinação da FAO, órgão das Nações Unidas para agricultura e alimentação: no último 16 de outubro, quando celebrou o Dia Mundial da Alimentação, a FAO relembrou que há no planeta 800 milhões de pessoas vítimas da fome. 
O conclave em Roma, que acontece anualmente quando o órgão reúne especialistas e autoridades de vários países para debater os números da fome, teve este ano um componente dramático: realizava-se poucos dias após a avassaladora passagem do furacão Matthew pelo Caribe, sobretudo no Haiti. Não se trata de uma coincidência trágica, pois a FAO havia definido há meses o lema deste ano para o Dia da Alimentação: “O clima está mudando. A alimentação e a agricultura também”.
O tema da fome, porém, não tem mobilizado a opinião pública com a força que deveria. Claro, há de se compreender que chamam a atenção dos líderes mundiais outras preocupações candentes – como dos refugiados retirantes da radicalização dos conflitos no Oriente Médio, mas este mesmo drama é também um próprio fator do aumento da fome. O fato é que meio ambiente é um issue com espaço e destaque privilegiados na mídia. 
A partir desta segunda-feira, 7, e durante os próximos quinze dias acontece a COP 22, Cúpula Mundial do Clima, em Marrakech, no Marrocos. A COP 21, na França, em novembro do ano passado, atraiu o norte-americano Barack Obama e outros 150 chefes de estado. Este ano vinculada à questão ambiental, com o muito apropriado lema que chama a atenção para as mudanças climáticas – e seus impactos diretos, entre outros, na alimentação e na agricultura – talvez o tema da fome alcance maior relevância. Espera-se que, finalmente, governantes, gestores públicos e legisladores atribuam à segurança alimentar toda a devida atenção.  
As preocupações sinceras com o meio ambiente se justificam. A população mundial, de 7,2 bilhões de pessoas, disputa recursos naturais cada vez mais escassos – independentemente dos efeitos de mudanças climáticas. Porém, os desafios impostos pela segurança alimentar sugerem às sociedades ampliarem sua visão ambiental. 
Urge uma agenda positiva. Esta precisará isentar-se, de arroubos ideológicos anacrônicos que veem como eternas inimigas as modernas tecnologias utilizadas que multiplicam a produtividade. Este é o equívoco que tem marcado, por exemplo, as gestões do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Consea. 
Órgão vinculado à Presidência da República, sua atuação se alinha cabalmente ao ativismo retrógado de certos movimentos ao antagonizarem agricultura moderna e tecnificada versus agricultura familiar. Forçam um antagonismo que, na vida real do campo não existe, e ainda distorcem discussão com subprodutos ideológicos – como a agroecologia e o combate permanente ao agronegócio – que, lamentavelmente, marcaram a gestão do governo federal anterior. Atado ainda a esta visão, o Consea não propõe uma agenda construtiva e exequível para a questão da segurança alimentar. 
É o que se pode concluir da participação do órgão no Encontro Nacional de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional, no início de outubro, em Brasília. A presidente do órgão, Maria Emilia Pacheco, ao se referir às plantas geneticamente modificadas, maldou: “Ao mercado não interessa o ecossistema e sua variedade de espécies; o mercado não dialoga com a sustentabilidade porque é regido pelo lucro”. 
Tais arroubos se tornam ainda mais lamentáveis quando se constata que contrariam as diretrizes da própria FAO, categoricamente reafirmadas no início deste ano. Durante o “Simpósio Internacional sobre o papel das Biotecnologias Agrícolas em Sistemas Alimentares Sustentáveis e na Nutrição”, a FAO reuniu, em fevereiro, em Roma, cerca de quinhentos representantes de instituições de pesquisa, de governos e da sociedade civil. 
De acordo com o agrônomo brasileiro José Graziano, diretor geral do órgão da ONU, o objetivo foi analisar como as biotecnologias agrícolas podem atender, principalmente, os cerca de 500 milhões de estabelecimentos da agricultura familiar no mundo: “A FAO está convencida de que o casamento da biotecnologia com a agroecologia – estendido finalmente à agricultura familiar – é um pedaço do chão firme capaz de desautorizar a turbulência atual a se consolidar como o ‘novo normal’ do mundo”.
* Antonio Carlos Moreira é jornalista; pós-graduado em Economia de Empresas pela Fundação Instituto de Pesquisa, FIPE, e pela Fundação Instituto de Administração, FIA, ambas associadas à Universidade de São Paulo, USP; organizador-autor de seis livros sobre comunicação, economia solidária e tecnologia agrícola, entre o quais A Ciência da Terra (Instituto Agronômico, IAC, 2008).

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