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O cerceamento do planejamento tributário e da gestão fiscal


José Osvaldo Bozzo
O planejamento tributário é uma das ferramentas usadas pelas empresas para que possam minimizar seus custos fiscais. Respeitando a lei de maneira integral, os gestores buscam optar por negócios jurídicos submetidos à menor tributação possível. Esta é uma atividade lícita e devidamente tutelada na forma jurídica sob o amparo das leis e normas que regulamentam o sistema tributário brasileiro. 
Não obstante, o Fisco nacional elegeu o planejamento tributário como um de seus mais perseguidos inimigos. Por exemplo, por meio da Medida Provisória nº 685, de 21 de julho de 2015, o Governo Federal instituiu o “Programa de Redução de Litígios Tributários - PRORELIT”, que permite aos contribuintes quitar, sem quaisquer reduções, parte de seus débitos fiscais federais que estejam sendo discutidos judicial ou administrativamente. 
Em princípio, a MP estabelece que as empresas interessadas no programa devem apresentar requerimento comprovando a desistência das defesas administrativas e/ou das ações judiciais em relação aos débitos fiscais pretendidos, inclusive renunciando ao direito reivindicado, e quitar à vista, mediante pagamento em espécie, pelo menos 43% dos débitos fiscais federais indicados até o último dia útil do mês de apresentação do requerimento. Não são passíveis de quitação neste programa débitos fiscais que tenham sido incluídos em programas de parcelamento anteriores, ainda que rescindidos. 
Por outro lado, a Medida Provisória também passa a obrigar os contribuintes a declarar anualmente à Receita a prática de atos ou negócios jurídicos que acarretem supressão, redução ou diferimento de tributo, quando: (i) tais atos não possuírem razões extratributárias relevantes; (ii) não for adotada a forma usual, utilizando-se de negócio jurídico indireto ou contiver cláusula que desnature, mesmo parcialmente, os efeitos de um contrato típico; ou (iii) tratar de atos ou negócios jurídicos específicos previstos em ato da Secretaria da Receita Federal do Brasil. 
Em casos de omissão ou imprecisão de informações obrigatórias, ou a sua apresentação por pessoa diversa do sujeito passivo dos tributos envolvidos, referida MP presume a ocorrência de omissão dolosa com intuito de sonegação ou fraude para exigir os tributos devidos com multa qualificada de 150% do tributo devido. Nos casos em que a Receita apenas não reconhecer a legitimidade das operações praticadas, o contribuinte será intimado a recolher ou a parcelar, no prazo de trinta dias, os tributos devidos acrescidos de juros de mora e sem multas. Tratando-se de atos ou negócios jurídicos ainda não praticados, a respectiva declaração será tratada como consulta à legislação tributária. 
Para orientar a medida, foi publicada a Portaria Conjunta nº 1.037 da Receita Federal e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional dispondo sobre a quitação de débitos administrados pelos dois órgãos que estejam em fase de discussão administrativa ou judicial, conforme previsto na referida MP. A portaria de regulamentação traz disposições gerais sobre a quitação, delimitando quais débitos podem ser quitados, as regras relativas aos percentuais de pagamento em espécie e de compensação, quem poderá aderir ao programa, assim como as formalidades necessárias para o contribuinte desistir expressa e irrevogavelmente das impugnações ou dos recursos administrativos e das ações judiciais propostas, que tenham por objeto os débitos de natureza tributária a serem incluídos no programa.  
Voltando à questão da Medida Provisória, percebe-se, de imediato, uma afronta às diretrizes norteadas pelo sistema tributário. A iniciativa fere, de modo contundente, o princípio da legalidade (de acordo com a Constituição Federal, artigo 150, I), pois se impõe uma carga tributária peculiar a operações que sequer reúnem as condições necessárias de tipicidade, bastando, para tanto, que o Poder Executivo abarque a operação no rol daquelas sujeitas à incidência de determinado tributo. 
Salvo melhor juízo, há uma incompatibilidade de poderes, pois o que a MP propôs é uma incumbência de competência legislativa ao Poder Executivo. O artigo 97 do Código Tributário Nacional (CTN) define o momento da ocorrência do fato gerador, daí a imposição da obrigação tributária, de maneira que, na ausência de previsão legal expressa, não é admitida nem mesmo a analogia para tributar a operação que não vem expressamente prevista na lei como tributável. É o que dispõe o artigo 108 do CTN. 
Este assunto requer uma avaliação muito afinada sob o ponto de vista jurídico, pois há uma linha tênue que limita o que chamamos de elisão fiscal – um procedimento lícito que permite administrar adequadamente a carga tributária – e a evasão fiscal – que consiste em artifício ilícito pelo emprego de operações simuladas, tendentes a elidir o encargo tributário. 
O planejamento fiscal pode e deve consistir na procura de ambientes legais que possibilitem evitar, postergar ou até mesmo reduzir o encargo tributário. É uma forma de os administradores buscarem meios legais a fim de minimizar a carga tributária, sem infringir disposições das Leis Tributárias. 
Portanto, a Medida Provisória nº 685 objetiva basicamente consentir acertos para arrecadar recursos pendentes de contribuintes que estejam em litígio com o Fisco, mas embute em seu conteúdo uma “pegadinha”, pois o governo estabelece nova regra com o fito de obrigar os contribuintes a declarar anualmente à Receita a prática de atos ou negócios jurídicos que acarretem supressão, redução ou diferimento de tributo. 
É mais uma medida voltada a coibir o justo direito de as empresas, de maneira lícita, encontrarem caminhos para minimizar suas contas tributárias, e, portanto, intimidá-las a não ousarem buscar situações mais favoráveis à sua gestão. 
*José Osvaldo Bozzo ([email protected]) é consultor tributarista e sócio da MJC Consultores. Formado em Direito, iniciou carreira na PwC. Foi também sócio da BDO e da KPMG e professor de Planejamento Tributário na USP – MBA de Ribeirão Preto.

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