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Jornalismo e a pauta que vai às mesas


Antonio Carlos Moreira
Antonio Carlos Moreira


De indiscutível qualidade, porém o Jornalismo brasileiro demonstra certa resistência a reportagens de cunho científico; o que são meras ilações pessoais podem levar o público a conclusões e receios infundados sobre alimentos. 

O que chama a atenção é o fato de, em sua maioria, prevalecerem informações sem a necessária base científica – quando não completamente equivocadas. Nos últimos tempos, a pauta sobre alimentos ganhou horário e espaço nobres na Imprensa. O interesse se justifica num país que, afinal, começa a colher os frutos, e também as preocupações advindas, de melhorar sua distribuição de renda e o acesso aos alimentos por amplas camadas da população.

Outro aspecto dessas matérias são as opiniões – exacerbadas ou veladas, nem sempre com base técnica –, dos colegas jornalistas. Se respeitará sempre quaisquer opiniões – que não deveriam, porém, sobrepor o princípio supremo de nossa profissão: isenção ao ouvir os diversos atores e ângulos relacionados ao tema.

 

Editoria pouco atraente

Ciência não é a editoria mais desejada nas redações. São muito mais frequentes, e atraentes, matérias que dizem respeito ao leitor enquanto consumidor final – Economia, Cultura, Lazer e Entretenimento, Comportamento, Saúde e Beleza.

Assim, sem o interesse por parte do leitor comum, é compreensível que fiquem longe da pauta reportagens mais áridas. Por exemplo, sobre as matérias-primas, os insumos e seus compostos usados na fabricação de produtos do cotidiano das pessoas – interessa saber do novo aplicativo lançado para celular, mas pouco importa a fibra e os componentes empregados na fabricação do aparelho.

Pois bem: é interessante notar como uma matéria-prima utilizada nas plantações do País tem sido destaque na Imprensa: os defensivos agrícolas, nome técnico, ou agrotóxico, como tem se popularizado na mídia.

 

Inseticida contra o mosquito da dengue

Os defensivos, ou agrotóxicos, em última análise, são insumos modernos utilizados pelo agricultor para produzir – assim como outras tecnologias e matérias-primas, como semente, nitrogênio, ferro, calcário, potássio, ureia, máquinas plantadeiras, irrigadores e outros materiais.

Toda essa “parafernália”, para nós, públicos urbanos, tem interesse próximo do zero. Isto explica porque os grandes jornais e revistas não trazem, obviamente, publicidade sobre um formicida ou calcário; a semeadora ou novo trator.

No meio urbano e grandes cidades, a notícia mais próxima que temos de um “agrotóxico” é quando as Secretarias de Saúde recorrem à aplicação do inseticida (aliás, o nome do ingrediente é Malation), única forma eficiente de combater o mosquito da dengue – um problema gravíssimo:

Mortes por Dengue cresceram 96% este ano e casos graves aumentaram 65%      BRASÍLIA – Os casos graves de Dengue e o total de mortes em decorrência da doença cresceram em 2013, em comparação a 2012. Segundo levantamento feito pelo Ministério da Saúde, foram registrados 573 óbitos pela doença este ano, um crescimento de 96% em comparação às mortes em 2012 (292 registros). Os casos graves da doença também escalaram: passaram de 3.957 em 2012 para 6.566 este ano, um aumento de 65%. (Jornal O GLOBO, 19.11.13).

 

O perigo das bactérias

 Poder-se-ia argumentar que o interesse pelo tema agrotóxicos se deve a uma maior preocupação com a qualidade dos alimentos. Justifica, sem dúvida. Mas se o motivo fosse apenas a qualidade dos alimentos, mereciam semelhante atenção também outros sistemas de plantio utilizados.

 Caso os cultivos que não adotam agroquímicos na proteção contra pragas estivessem submetidos ao mesmo rigor da segurança científica e de regulamentação internacionais (normas da OMS, FAO e Codex Alimentarius), não seriam frequentes casos de mal-estar e mortes no mundo causados por bactérias em alimentos cultivados sem cuidados sanitários (revista Veja, .Jun/11).

 São poucos investigados pelo Jornalismo os inúmeros relatos da ciência médica sobre males e casos de morte por intoxicação bacteriana. “Outro grave surto de intoxicação alimentar pela Eschericha coli (a mesma agora ocorrida na Europa), ocorreu em 2006, nos Estados Unidos, com diversas mortes, causado por espinafre contaminado por dejetos de animais”, escreveu, em carta à Veja, Pedro Manique Barreto, professor de Bioquímica de Alimentos da Universidade Federal de Santa Catarina. Por outro lado, não se conhece, relatado na medicina, um único caso de morte por pessoa que tenha se alimentado por uma dose de agroquímico.

 Evidencia bem este fato no Brasil o levantamento do Ministério da Saúde, divulgado na homepage do Instituto de Defesa do Consumidor, IDEC. Segundo o estudo, das mais 110 mil pessoas, entre 1999 e 2007, que adoeceram por ingerir alimentos contaminados, as bactérias foram responsáveis por 83,5% dos casos; em segundo lugar, ficaram os vírus (14,1%) e, em terceiro, os produtos químicos (1,3%). Cerca da metade dos surtos não teve as causas identificadas, mas em nenhum deles os agrotóxicos figuram como causas de doenças.

 

“Como médico, desconheço casos de intoxicação alimentar por agrotóxico”

Vale também, para ampliar essa discussão ou desmistificar certos conceitos, conhecer o trabalho dos pesquisadores Jerry Cooper e Hans Dobson, The benefits of pesticides to mankind and the environment (Natural Resources - Institute University of Greenwich. http://migre.me/hCBFa). Eles classificam 30 principais itens de riscos de mortes nos Estados Unidos; embora datado dos anos de 1990, nada sugere mudanças significativas nos números.

Entre os 30 motivos de riscos à saúde, os agrotóxicos surgem com número 28, atrás, por exemplo, de conservantes de alimentos, 27; eletrodomésticos, 15; fumo e álcool, classificados como 1 e 2, respectivamente. Portanto, as pessoas correm risco maior por acidente caseiro com o liquidificador ou apreciarem um bom vinho do que pelo consumo de frutas e hortaliças cultivadas sob a proteção de agrotóxicos.

“Nos 35 anos de trabalho em clínica pública de saúde, no qual acompanho os efeitos dos agrotóxicos na saúde do agricultor e na segurança alimentar, jamais atendi um caso de intoxicação alimentar por essas substâncias”, atesta o médico Ângelo Zanaga Trapé, professor-doutor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas, Unicamp. (Ciência e Inovação Frente aos desafios do futuro sustentável, 2012)

 

Plantas tóxicas

 Alguns colegas de Jornalismo fazem ilações que tendem a levar o público a conclusões infundadas. A expressão “tóxico” sugere, ao senso-comum, uma carga exagerada de perigo às substâncias industriais. Na verdade, há inúmeros produtos naturais também tóxicos – por exemplo, dezenas de plantas com alto teor de toxidade.

É o caso do pyretrum, existente no crisântemo, planta de jardim que deu origem ao grande grupo de inseticidas conhecidos como piretróides. Daí essas e outras substâncias “naturais” servirem como base para os cientistas sintetizarem em laboratório os princípios ativos de diversos inseticidas e fungicidas.

 

ONU: “Química é base da produção de alimentos”

Nos últimos anos, vem se acentuando uma visão unilateralmente contrária a tudo aquilo que pertence ao universo “químico” e, por outro lado, supervaloriza todo produto apontado como “natural”. Este é o viés que está na base das opiniões acirradas sobre agrotóxicos.

Todos os processos da natureza são originados por reações químicas. Assim justificou a Unesco, órgão da ONU para Educação, Ciência e Cultura, ao declarar 2011 como Ano Internacional da Química:

 “A Química é fundamental para a compreensão da humanidade e sua ação sobre nosso planeta. Processos químicos são a base para a produção de alimentos, medicamentos, combustíveis, metais, ou seja, praticamente todos os produtos.”

 Ao sugerir a reeducação do senso-comum, que vê na química um “problema” ou um “perigo”, a ONU destaca “a ciência da Química e sua contribuição essencial ao progresso econômico e à promoção de um meio-ambiente cada vez mais saudável”.

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