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A inadimplência e a lebre


Edivan Júnior Pommerening
Como é de conhecimento de todos os administradores, o valor clássico da inadimplência é o total dos títulos vencidos que a empresa tem a receber. Para se conhecer o percentual de inadimplência, basta dividir esse valor pelo total dos títulos a receber e multiplicar o resultado por 100. Fácil, não é?! Ocorre que existe um custo relacionado à inadimplência que, na maioria das empresas, não é somado ao valor total dos títulos a receber vencidos: é o custo da cobrança.
O custo da cobrança varia em função do negócio em que a empresa atua, mas geralmente é composto por:
Mão-de-obra da gerência, dos vendedores, do setor de cobrança, do setor jurídico, da diretoria, enfim, de todos os envolvidos que, diga-se de passagem, poderia ser investida no melhor atendimento a clientes bons e/ou na busca por clientes novos.
  · Combustível/depreciação de veículos.
  · Cobranças judiciais/custas processuais.
  · A perda do poder aquisitivo do dinheiro/inflação.
  · Ligações telefônicas/torpedos de telefone celular.
  · Despesas com cartórios/correios.
  · Despesas com negativações em órgãos de proteção ao crédito.
  · Desconfortos com clientes.
  · Desgaste físico e mental de cobradores e cobrados.
  · Perda de clientes.
  · Etc.
Uma das maiores lições que Joãozinho aprendeu na vida aconteceu aos seus 18 anos, quando foi caçar lebres pela primeira vez, a convite de um vizinho de seu pai, um senhor de aproximadamente 60 anos de idade, “sem alfabetização”. Estava ele, o vizinho e mais dois rapazes, filhos desse senhor, que os orientou acerca do seu posicionamento e seguiu com seus dois buldog’s em busca da caça*.
Quando os cães “levantaram” a lebre, eis que o bicho veio em disparada justamente para o lado onde Joãozinho estava posicionado. Tão logo ela passou, ele virou-se e atirou atrás. Subiu uma polvadera danada e quando baixou um pouquinho o caçador “de primeira viagem” pode ver a lebre a mais ou menos quinhentos metros dele, “voando baixo lavoura afora”.
O Senhor, “sem alfabetização”, aproximou-se e disse: “Joãozinho, depois que a lebre passou não adianta atirar atrás; a chance de você acertar é baixíssima. Você tem que ‘pegar’ o bicho de frente”.
Esta passagem revela o segredo para evitar a inadimplência e o custo de cobrança: “pegar” o cliente de frente, no momento da concessão do crédito. Nesta linha de pensamento, em caráter sugestivo, seguem alguns procedimentos para utilizar na hora de conceder crédito:
  · Mantenha e consulte o histórico de pagamentos do cliente antes de cada venda. Se ele não possuir um bom histórico, faça vendas somente à vista até que ele melhore ou exija garantias para as vendas a prazo.
  · Consulte os órgãos de proteção ao crédito ao cadastrar o cliente e antes de cada venda. Se ele possuir alguma restrição, peça que regularize sua situação antes de vocês começarem a negociar.
   · Mantenha o comitê de crédito da empresa vivo e operante.
  · Peça para o cliente lhe dizer quanto precisa de limite de crédito e verifique se o valor é compatível com os rendimentos e garantias apresentadas. Atribua o valor em conjunto com ele. Lembre-se: “ninguém se compromete com o que não conhece”.
   · Se o cliente está com o limite excedido, verifique se está adequado. Se não estiver, reavalie-o e ajuste-o a real capacidade de pagamento do cliente.
  · Se o limite estiver adequado, cuidado! Exigir garantias ou mais garantias para prosseguir as vendas não resolverá o problema, pois as garantias por si só não irão honrar as dívidas no seu vencimento. Neste caso, suspenda as vendas e trabalhe para que os títulos que o cliente já possui não fiquem inadimplentes.
  · Se o cliente possuir títulos vencidos, efetue novas vendas a prazo somente após ele quitá-los ou, mediante avaliação, renegociá-los. Exija garantias em ambos os casos.
  · Renegociar uma dívida sem exigir uma garantia ou simplesmente para reduzir o índice de inadimplência do estabelecimento é “dar um tiro no próprio pé”.
  · Adiantamentos de valores devem ser feitos em casos eventuais, pois se forem habituais o cliente está com problemas de capital de giro, aí é melhor orientá-lo a procurar uma instituição financeira, que são especializadas em “vender” dinheiro.
  · Não “force” vendas para clientes que possuem restrições por limites de crédito excedido, títulos vencidos, órgãos de proteção ao crédito, ausência de cadastro, etc. É bem provável que você terá dificuldades para cobrar essas dívidas.
  · Cuidado com os cheques, eles são apenas promessas de pagamento, portanto, não devem ser considerados como garantias, mesmo os à vista.
  · Lembre-se: existem mais clientes relacionados no Cadastro Positivo (bons pagadores) do que clientes no Cadastro Negativo (maus pagadores), portanto, dedique seu tempo àqueles que estão no Cadastro Positivo.
  · Estabeleça um tratamento diferenciado para quem compra à vista (dinheiro, cartão, etc), com o tempo quem compra a prazo vai querer “trocar de fila”.
   · Lembre-se: a venda só termina quando o dinheiro entra no caixa da empresa.
  · Se preocupe mais com a última linha do demonstrativo de resultados (lucro líquido) do que com a primeira (faturamento).
  · Com relação a crédito: se você não atende as exigências do cliente e/ou o cliente não atende as suas, não inicie ou suspenda os negócios com ele.
   · Não tenha medo de dizer “não”.
   ·  Apesar de trivial, essa nunca sai de moda: mantenha o cadastro do cliente completo e atualizado.
  · Ah! Ia esquecendo: “Não se apaixone pelo cliente!”. Dizem os consultores em gestão financeira pessoal que não devemos fazer negócios com quem estamos apaixonados.
No que compete às garantias, vale ressaltar ainda que, dentre outras circunstâncias, é importante exigir garantias de clientes que: não possuam patrimônio em seu nome (especialmente bens imóveis); que forem arrendatários; que possuírem um grau de endividamento de curto prazo elevado, comprometendo sua capacidade de pagamento e, cujo histórico demonstrar atrasos e/ou renegociações.
Ouso afirmar que o custo invisível anual da inadimplência de uma empresa equivale a 25% do valor total da sua inadimplência no fim de um exercício. Sendo assim, se a empresa “fechar” o ano com R$ 100.000,00 de inadimplência, ela gastou pelo menos R$ 25.000,00 no ano com cobrança. A partir daí, mesmo que você consiga recuperar os R$ 100.000,00, o custo da cobrança já devorou o lucro do produto/serviço vendido.
Sim, caro(a) leitor(a): se não arriscar, não vende. Mas o risco tem de ser calculado. Imagine-se num corredor, você pode trafegá-lo pelo centro, pela direita ou pela esquerda, mas terá sempre as paredes como limite em ambos os lados. Arrisque, porém dentro de critérios pré-estabelecidos. Não arrisque com clientes que lhe dão indícios evidentes de futuras dores de cabeça.
Para evitar o custo visível e invisível da inadimplência, lembre-se: “não atire atrás da lebre”, ou seja, não conceda crédito com displicência, pois suas chances de recuperar o ativo cairão drasticamente. Em matéria de concessão de crédito é comum comprar “gato por lebre”, mas agindo proativa e preventivamente isso raramente vai acontecer, e assim a sua lucratividade aumentará.
 *História meramente ilustrativa. O colunista reprova a caça não autorizada de animais selvagens.

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